“Quási”- Mário de Sá Carneiro


Um pouco mais de sol – eu era brasa,

Um pouco mais de azul – eu era além.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa…

Se ao menos eu permanecesse aquém…

Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído

Num grande mar enganador de espuma;

E o grande sonho despertado em bruma,

O grande sonho – ó dor! – quase vivido…

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,

Quase o princípio e o fim – quase a expansão…

Mas na minh’alma tudo se derrama…

Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo … e tudo errou…

— Ai a dor de ser — quase, dor sem fim…

Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,

Asa que se elançou mas não voou…

Momentos de alma que, desbaratei…

Templos aonde nunca pus um altar…

Rios que perdi sem os levar ao mar…

Ânsias que foram mas que não fixei…

Se me vagueio, encontro só indícios…

Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;

E mãos de herói, sem fé, acobardadas,

Puseram grades sobre os precipícios…

Num ímpeto difuso de quebranto,

Tudo encetei e nada possuí…

Hoje, de mim, só resta o desencanto

Das coisas que beijei mas não vivi…

Um pouco mais de sol — e fora brasa,

Um pouco mais de azul — e fora além.

Para atingir faltou-me um golpe de asa…

Se ao menos eu permanecesse aquém…
--
 Mário de Sá Carneiro

Comentários

Fê blue bird disse…
Amiga Fernanda:
Ler Mário de Sá Carneiro com esta linda musica de fundo, deixou-me completamente descontraída.
Felizmente ainda há tanta coisa bela.
Obrigada por este momento.

beijinhos e boa semana
Viviana disse…
Olá,querida Fernanda!

Que poema tão profundo,este.
Posso quase sentir os estados de alma do poeta...

Entendo-o tão bem...

Estivesse eu ao seu lado quando escreveu isto e, abraçá-lo-ia.

Obrigada por este presente bonito que aqui nos oferece

Desejo-lhe uma linda e abençoada semana para si e para o Eduardo.
Viviana