A roupa estendida ao vento- Fernando Pessoa

A roupa estendida ao vento 
Parece gente a viver 
Move-se em gestos sem tento 
Perante o meu pensamento 
Que não sabe senão ver. 

Mas o que fazem no mundo 
Os homens nos gestos seus 
Nada é mais firme ou profundo 
Que este ar nas roupas ao fundo 
Dos grandes quintais de Deus. 

E eu no meu solene estúdio 
De como as cousas não são, 
No qual compreendo tudo, 
Vejo o branco agitar mudo 
Da roupa sem coração. 

E lembro, por diferença, 
A semelhança que há 
Entre a agitação intensa 
Da roupa livre e suspensa 
E aquela em que o homem está. 

Ao sol e ao vento da vida 
Livre e preso sob os céus 
Oscila, coisa movida, 
Mas é só roupa estendida 
Nos grandes quintais de Deus.

Fernando Pessoa

Comentários

Zelândia disse…
Querido, descobri hoje sua página e amei. Sou profe de literatura, LP e redação. Este poema do Pessoa me emocionou!!
Gratidão pela sua presença e comentário. Este poema é lindo e profundo. Aliás como tudo o que Fernando Pessoa escreveu. Não sou professora, mas sou apaixonada por literatura. Abraço!