Apenas quero sentir o som do açude...
Aquela azenha velha, abandonada
pelos anos e desprezo imposto pelo rio.
Estrutura de granito, ruína cinzenta
como a bruma da manha, rente ao silencio
de anos inertes, acariciada por açudes,
que as pequenas quedas d'agua animam.
Um quadro de fazer inveja, frio como cristal.
Um rio puro, livre, imparável e transparente
de tal forma, que a minha alma para.
O som que cria a espuma branca, brilha
enquanto inalo o verde vasto precioso,
que não morre... que nunca morre.
Só morre a azenha velha, abandonada.
Apenas o eco dos açudes me acordam.
Um cheiro imune as coisas falsas,
uma visão que me cola ao chão fraco,
revolto de areias sorridentes, movidas
a cada golfada cristalina que não para.
Submersos os limos e seixos redondos,
que apenas rolam livres na corrente,
cheios de vida tão inerte, que eu invejo.
Sentir o eco do ribeiro, transparente
como o meu corpo cansado da paixão
ardente no amor que fiz, como o frio doce
na agua deste regato. O abraço longo,
que nos adormece os corpos, incógnitos
por onde o tempo passa sem resistência,
felizes como os açudes desta azenha.
Um verde vivo, arrojado de vida diferente.
As árvores olham-me vaidosas, por serem altas,
tornam-me humilde, admirado pelos sentidos
que tanta beleza junta me ensina a simplicidade,
reanimando o meu ego, já há tanto adormecido.
Talvez os peixes sejam felizes, sem pensar...
toda esta fronteira do meu corpo, toca o ar
gratuito, em pequenos pingos salpicando,
toda esta humilde vida que se me entrega.
Sem esforço, tudo me faz pensar em coisas simples.
Uma azenha velha, que já não roda, cansada,
mas que não deixou de ficar a gozar o paraíso.
E eu, que cobardemente feliz o abandono... no entanto,
guardo esta memoria. Há momentos que não morrem,
que me fazem viver a vida, com uma simples lembrança.
Admiro esta azenha assim abandonada, que resiste
saboreando a misteriosa bruma cinzenta, tal como o granito
nas paredes que a sustentam, animada pela agua cristalina
que afaga a revolta dos açudes, na pureza da vida,
acariciando-a de tal forma, que não cai... e fica.
Carlos Lobato
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