Só Van Gogh compreendeu à altura a minha paixão pelo amarelo. O amarelo é a cor mais bela, mais expansiva, mais ardente. Que curiosa e estranha predileção Van Gogh tinha pelos girassóis. Foram várias telas retratando essas flores gigantes em pinceladas rápidas, em tons dramáticos de amarelo. Jarras com três, cinco, doze, quinze girassóis. Profusão de pétalas retorcidas, iradas. Os girassóis são ambivalentes: sob o sol são altivos e soberbos; quando surge a escuridão da noite se fecham sobre si mesmos. Misto de luzes, cores, amargura e solidão, os girassóis refletem o espectro da bipolaridade, doença mental e genética sofrida pelo próprio artista: ora eufórico e cheio de energia; ora triste, apático e culpado. Esses girassóis, assombrosamente fortes, foram pintados como um presente para o amigo, também pintor, Paul Gauguin, num tempo em que trabalharam juntos. Seriam para decorar a casa de Van Gogh em Arles, no sul da França, conhecida como “casa amare-la”, mergulhada num campo de girassóis. Depois da tensa ruptura da amizade entre os dois, Van Gogh teve uma crise nervosa que o levou a cortar a própria orelha e, mais tarde, deprimido, a dar um tiro no peito. Só depois de seu trágico suicídio é que ele foi reconhecido mundialmente como gênio. Amarelos também, de um matiz mais pálido, são os trigais e os montes de feno retratados por ele. Em “Casa de Fazenda na Provença” há uma fertilidade terrível, as hastes de trigo crescendo por todos os lados parecem uma ameaça ao homem que mal consegue caminhar. Van Gogh domina a natureza em cada traço amarelo do amido das espigas. Certa vez, ele declarou: “A pintura está na minha pele... é um sol, uma luz, que eu só posso chamar de amarelo, porque não tem outra palavra... como o amarelo é lindo.” O amarelo é lindo. Enfeito sempre minha sala com flores amarelas. Tenho tantas lembranças de vestidos amarelos. Como aquele estampado de flores amarelas com miolos brancos que eu usava quando subi as escadas do avião que rumou em direção ao sol, ao mar, ao Rio de Janeiro. Sei que minha morte será uma descida a fontes amarelas. Um dia estarei livre, na eternidade dourada. Sou tonta, apaixonada pelo amarelo, compreende?
Só Van Gogh compreendeu... você prefere o azul.
*Raquel Naveira é escritora / Campo Grande/MS
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