Prezada Vizinha da Casa do Passarinho,
Meu gato por descuido ou por instinto descobriu que você tem um passarinho. Pelo cheiro ou pelo canto dele. Temo que aconteça o pior. Mas já vou adiantando, que não por minha culpa ou incentivo. Por pura curiosi-dade do meu bichano ao sentir passarinho na gaiola.
Imagino o quanto tem bem querer pelo seu cantorzinho. Deve ter ganhado o filhote, ou comprado ou mesmo resgatado caído de um ninho em árvore. A gente vai se apegando tanto o bichinho que chegamos a ter amor por ele... imagino que assim o tenha pelo seu.
Também tenho apreço pelo meu bichano, que é dócil e castrado. Está conosco desde 2013 quando adotamos ele pelo Facebook. Sim, ele é um gato desta era, todo digital e moderno.
Quando vimos pela internet naquela noite, meu filho ficou apaixo-nado. Quase nem dormiu de tanto que queria um bichinho para cuidar. No outro dia fui buscá-lo e nunca mais nosso lar foi o mesmo.
Tanto nas alegrias como nas alergias.
Dois frascos de antialérgicos meu filho tomou após o gato ir pra casa. Eu tive coceira e meu marido quebrou o dedão , porque quase pisou no bichano.
Mas as alegrias são imensas também. Animalzinho em casa muda o clima. Tem sempre o queridinho esperando a gente chegar, mas não com festa. Festa quem faz é cachorro. Gato chega e se enrosca em nossas pernas, passa o rabo todo lampejo para liberar seus ferormônios e demarcar território.
Aprendi que gato tem amor maduro. Tem certeza que sempre será amado e não pede ou implora por ele.
Quem me ensinou a gostar de gatos foi minha avó. Sempre tinha um em sua casa. Gatos e vovós combinam. Assim como vovós e tricots. Bom, combinava. Hoje já está tudo diferente.
Depois tivemos muitos gatos em casa, quando eu era criança. Sumia um , arrumávamos outro. Era verdadeira saga esperar meu pai escolher o nome ilustre para o novo gato: Galileu, Toulouse, Garibaldi e Beremis, foram mais que personagens famosos da História, foram gatos que personificaram em nosso lar.
Mas enfim. Meu gato tem um lugar especial em nossa casa e em nossos corações. Assim como seu passarinho.
Cara vizinha, nem te conheço. Nem sei seu nome e nem mesmo qual casa mora. Apenas sei que são algumas para baixo da minha, ao fundo. Mas sei que deve ser amorosa com bichos e que não quer que nada de ruim aconteça com o seu.
Mas toda noite ao fazer minha prece, faço dois desejos: que meu gato não pule no seu quintal e que em pulando, encontre barreiras para não maltratar seu passarinho. Que o seu passarinho esteja em um lugar bem seguro, longe das garras do meu gato.
E que possamos continuar a sermos apenas vizinhas, que um dia possamos nos cumprimentar nas idas e vindas da vida sem mágoas nem ressentimentos.
Desejo vida longa ao seu passarinho . Que ele chegue ao fim da vida bem velhinho. Que não tenha nenhuma cena de crime em sua varanda.
Desejo também que meu gato, preto, seja nosso xodó pra sempre, e não um malvado aniquilador de penas no chão.
Era isso.
Cordialmente
Vizinha da casa do gato preto.
Na Sétima Antologia Ponto & Vírgula, lançada dia 12 de dezembro no Hotel Nacional em Ribeirão Preto.
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