Nem sei porque ainda te escrevo, sabes… ? Não, não é por nunca me teres respondido, não!... Sei bem que tu não és de escritas, contigo é olhos nos olhos, cara a cara, pele com pele, sangue no sangue… é tão só, porque já me vão doendo os dedos, a minha vista já não é o que era, as palavras já se me amontoam na cabeça em desalinho, às vezes já nem sei onde as ponho, e demoro uma data de tempo à procura delas…
Mas queria que soubesses que continuo a amar-te, mesmo sabendo que planeias abandonar-me. Já não é de hoje, não penses que me enganas, eu sei, eu sinto, tu já não és a mesma, já não me abraças todas as manhãs com a mesma fome, já não me adormeces contando-me os nossos sonhos antigos, já não me cuidas das feridas, já não me animas com os teus risos mais simples, como quando ficávamos juntos, simplesmente, a ver os nossos filhos brincar…
Gosto de reviver como o nosso amor nasceu – essas coisas são as que eu lembro melhor, as antigas, as que ainda guardei no tempo em que sabia onde punha as coisas… Sim, guardei-as, felizmente, num cantinho do coração mesmo a jeito, nem preciso levantar o braço (ultimamente custa-me muito, fazer qualquer esforço…). Então, de vez em quando, quando estou sozinho, vou buscá-las a esse baú forrado a pétalas, e entretenho-me com elas, fico tempos esquecidos com elas nos olhos…
…o primeiro sorriso… o fogo do primeiro amor… o primeiro beijo… o meu grande amor (aquele grande amor que tu já eternizaste)… os filhos que me deste… as alegrias que me deste… (até as arrelias que me deste!)… os nossos sucessos, os nossos fracassos… os nossos sonhos, enfim… minha Vida, meu Amor Maior…
E só quando uma lágrima me trai, é que eu as arrumo, envergonhado, perante os olhares de compaixão que me lançam… Ora, não gosto nem preciso de compaixão! Nem tua, fica sabendo! Não! Se não posso ter o teu amor, tira-me minha Vida, o último fôlego!...
Mas queria dizer-te isto, antes de partires: sou ainda feliz, porque tudo o que vivemos juntos, se escreveu no céu… todos os pequenos espinhos são parte da rosa, todos as chuvas são lágrimas necessárias, todas as dores são avisos vitais, todas as partidas podem ser viagens de esperança. Sou feliz porque te tive inteira, minha, generosa. Sou feliz porque me permitiste dar de mim tudo o que melhor tive e como melhor pude. Sou feliz porque te pude amar. Sou feliz porque me fizeste amado. Sou feliz, porque partes partindo-me, mas sei que continuarás a amar e a zelar pelos meus filhos, pelos meus netos… Sou feliz porque ficas, deixando-me… mas, mesmo não gostando tu de escrever, sei que perpetuarás no universo o meu sangue, escrevendo nas memórias breves das vidas anónimas, a nossa história de amor…
E minha querida, minha Vida, queria fazer-te um último pedido: quando me deixares, parte devagarinho, discretamente… não me abraces, não me beijes, deita-me apenas o olhar de todos os dias, como se fosses só ali, comprar o pão de todas as manhãs… Faz de conta que ainda gostas de mim e que dali a pouco voltas, com o teu sorriso jovem, radioso, com cheiro de maçãs temporã.
Faz de conta que ainda me chamas pelo nome que a minha mãe me dava… como se, devagarinho, o tempo voltasse para trás e eu voltasse a ser apenas apenas fruto, apenas semente, apenas brisa… apenas Amor, outra vez.
Eterniza-me, Vida.
Assinado:
O teu velho
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