DO AMOR E DA MORTE (*)Ely Vieitez Lisboa


Não se sabe por que o amor, sentimento que vivifica e privilegia, participação dinâmica e efetiva do Grande Mistério, traz em si a essência da vida, aliada à morte. Amor e morte não são antíteses, mas verdades concomitantes. Quando se começa a amar, já se principia a perder. Quem não ama, nada perde e vive (vive?) no cinzento neutro do limbo. Amor é a exata mistura de céu e inferno e, criado com o homem, desde então todos os poetas tentaram defini-lo, no entanto pouquíssimos conseguiram. É porque o amor não se define, vive-se. O amor é tão paradoxal, antitético que, amando-se, aguçam-se os sentidos, captamos mistérios antes inefáveis, inteligíveis à precariedade dos nossos cinco sentidos. Ao mesmo tempo, embacia-se a inteligência, ofuscam-se as idéias e dá-se sinedoquicamente o milagre: o corpo todo vira coração.
No conto ¨A Sereiazinha¨, de Andersen, várias vezes reeditado, em troca do direito de ser mulher e amar, ela, deixando de ser sereia, tem dores terríveis, sofrimentos atrozes. A dor e a morte são elementos semelhantes, de igual essência. Assim como no conto de fadas, para se amar, de certa maneira tem-se que, antes morrer, deixar sua própria identidade, para depois assumir a outra, que é dupla, pois o amor é sempre uma consubstanciação.
Amor e morte não estão juntos só no mundo dos homens, onde Romeu e Julieta simbolizam o sentimento em ato concreto. Na natureza, a semente tem que morrer, para renascer, a terra é toda violentada, para ressurgir em florações de verde. O exemplo mais expressivo de amor e morte é a mutação da lagarta em borboleta; para conhecer as cores, o perfume, o ar, as flores, ela passa primeiro pela morte, na metamorfose. O que dizer das abelhas, quando a vitória do zangão, sua realização como macho e rei custa-lhe a vida? Contundente, inexorável, raiando ao fatalismo, é a dura lei das cigarras. Elas nascem, ficam adultas, cantam, cruzam-se e morrem, em poucos dias. Há uma pressa aflita naquele chamado metálico, hino rouco de ingente necessidade de amar, procriar, continuar, antes que a morte iminente chegue. É no tempo das cigarras que as acácias despencam-se doiradas dos caules úmidos e os flamboyants incendeiam o ar, com sua florada rubra, cores nascidas dos troncos antes mortos.
Os poetas são atraídos pelo tema do amor e, muitas vezes o cantam de maneira doce e lírica. No meu livro Replantio de Outono, ousei falar desse sentimento tão complexo, de forma mais realista: “Não fales nunca do amor / As palavras são frias diante do sentimento / Não faças poemas de amor / Todos os paradoxos já foram cantados / Quem ousou conheceu infernos / Repetidas rotas rupestres ásperas / Não confesses ter experimentado o amor / Vivo estás, então o amor não era. / Jamais desejes o amor / Ele é falaz, vulpino animal / Coleios e venenos viperinos / Não vem se chamado / Se chega, régio presente grego / Lento veneno, arcabouço quimérico / Lianas de aço / Das contradições impossível falar / Das sensações de poder e falência / Grandeza e pequenez / Dos risos que afloram na alma / Do olor das angústias amargas / Tudo no coração semeia / Insensato joio no parco trigo. / Não fales do amor / Vive-o. Deixa que ele te devore / Em sarça ardente te transforme / Goza o fel, o veneno, o mel / Sem questionamentos, análises / Ama somente / Tudo é danação e glória.”
Por tudo isto é que não se espanta ser a vida, na terra, só morte e dor. O parto espiritual vem depois, após período trágico de incubação, violência e tribulações. É a hora, finalmente, do AMOR.

Ely Vieitez Lisboa



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