Dia 9 de abril tive o prazer de ser a escritora convidada na segunda edição do Sábado só Letras, na Biblioteca Padre Euclides, projeto de Fatu Antunes, Alfredo Rossetti e Eliane Ratier.
Público não muito grande, mas só de pessoas interessadas em literatura; minha missão era falar sobre um grande escritor, embora pouco lido e também sobre minha obra. Escolhi Osman Lins, um dos mais famosos da Literatura Brasileira e quase ignorado pelos brasileiros, devido sua obra ser muito complexa e rica.
Iniciei elogiando o Projeto e realçando que se eu conseguisse passar para o público meu encantamento pela obra de Osman Lins, estaria realizada. Comecei meu depoimento dizendo que há encontros que mudam uma vida: No início da década de setenta, eu lecionava Literatura Brasileira no Curso de Letras da Instituição Universitária Moura Lacerda. Pouco antes, eu lera o livro “Nove, Novena”, de Osman Lins, lançado em 1966 e ficara deslumbrada. Apesar de ser uma leitora ávida, jamais lera nada parecido antes. Era uma inovação literária, uma criatividade e uma renovação na estrutura narrativa.
Li e reli aquelas narrativas. Contos? Novelas? Os focos narrativos múltiplos, como um coro de muitas vozes, a narrativa truncada, os Ornamentos, o aperspectivismo, os vários finais abertos, tudo era algo novo e inesperado. No Nouveau Roman, movimento literário da Literatura Francesa, eu já conhecera algumas tentativas de inovação, no modo de narrar. Osman Lins teve contato com a nova estética, na França, mas, ousadamente, foi muito além.
Continuei mostrando como conhecer a obra e depois o autor, foi enriquecedor. Quando convidei Osman Lins para fazer uma palestra aos meus alunos da IUML, ele veio, encantou a todos com sua cultura, a lucidez e as inovações na literatura. Fiquei fascinada e lhe prometi: Um dia farei uma tese sobre sua obra. Trocamos cartas, tive acesso a informações preciosas sobre seus livros, sua arte de escrever; enriqueci-me.
Um dia, pela televisão, soube que ele estava doente. Pouco tempo depois, dia 8 de julho de 1978, ele faleceu, em São Paulo. Perda irreparável. Promessa aos vivos é algo sério. Aos mortos, é missão. Em 1984 eu defendia minha tese de Mestrado na UNESP de Araraquara. Todavia, nunca mais deixei de estudar a obra de Osman Lins. Li, inclusive, Nove, Novena, publicada em francês, em 1971, com o título de Retable de Sainte Joana Carolina. A edição é primorosa.
Voltando ao Encontro da Padre Euclides, depois de discorrer sobre todas as características introduzidas por Osman Lins, como os Ornamentos, os narradores múltiplos (obra polifônica), as personagens identificadas só por signos, a cosmogonia, vocabulário riquíssimo, optei por aprofundar mais na narrativa Retábulo de Santa Joana Carolina, por sua riqueza inigualável e a comprovação de O.L. que em literatura nada é fortuito, inclusive nessa narrativa ungida de religiosidade, até a onomástica comprova a deificação de Joana Carolina.
Idealista e sonhador, quando aqui esteve, ele tentou vaticinar: “Daqui a alguns anos, até os operários lerão Nove, Novena”. Conhecendo bem a complexidade da obra e a tendência ao fácil e ao superficial, a preguiça mental que já se iniciava na época, irônica e desalentada, eu lhe disse que dali muitos anos, nem universitários leriam Nove, Novena. Odeio, hoje, ter acertado, como a doce Cassandra, antes do castigo imposto por Apolo, quando a sibila rejeitou o seu amor.
Ely Vieitez Lisboa
Comentários