Irene do Céu Vieira Lisboa (1892-1958) nasceu no Casal da Murzinheira, Arruda dos Vinhos, e faleceu em Lisboa. Formou-se pela Escola Normal Primária de Lisboa e fez estudos de especialização pedagógica na Suíça, França e Bélgica, tendo contatado com Piaget, em Genebra.
Estreou-se em 1926, com o livro de contos, 13 Contarelos a que se seguiram dois livros de poesia. Foi colaboradora da Seara Nova.
Também sob os pseudónimos de Manuel Soares e João Falco, é autora de uma vasta obra, pouco conhecida, que se reparte entre a ficção intimista e autobiográfica, a crónica, o conto (para crianças e adultos), a poesia, a pedagogia e a crítica literária.
De todas as escritoras suas contemporâneas, Irene Lisboa é, sem dúvida, aquela que recebeu maior reconhecimento crítico, nomeadamente de José Régio, João Gaspar Simões e Vitorino Nemésio. No entanto, a sua obra não pareceu merecer grande popularidade junto do grande público.
A produção literária de Irene do Céu Vieira Lisboa reparte-se pela poesia, pelo conto, pela crónica e pela novela. Apesar da variedade das formas toda a sua obra se caracteriza por ter um núcleo intimista e autobiográfico que a unifica.
Irene Lisboa estreia-se no palco literário português em 1926 com Treze Contarelos, um livro de contos destinado às crianças. Como diz Violante Magalhães no artigo "Irene Lisboa e a literatura para crianças" a obra, tal como os outros escritos da autora para os mais pequenos, caracteriza-se por um estilo de oralidade e discurso directo. Ao longo do livro Irene Lisboa usa a frase curta, mas bem estruturada. Tudo com o propósito de cumprir as ideias pedagógicas desenvolvidas nos seus trabalhos teóricos que publicava sob o nome de Manuel Soares.
Entretanto, continua a colaboração com jornais e revistas da época, dos quais se destacam Seara Nova, Presença e O Diabo. Em 1936, sob o pseudónimo de João Falco, publica o segundo livro, desta vez de poesia, intitulado Um dia e outro dia… – Diário de uma Mulher. No ano seguinte, sob o mesmo pseudónimo, surge Outono havias de vir, outra obra de poesia.
Como destaca Paula Morão os poemas de Irene Lisboa, isentos de rimas e de ritmo regular, são muitas das vezes intercalados por frases mais longas nas quais não se mantém a aparência gráfica dos versos. Como diz a própria Irene Lisboa: "Ao que vos parecer verso chamai verso e ao resto chamai prosa." Esta ruptura com os cânones da lírica tradicional insere-se na polémica sobre a afirmação do verso livre em Portugal. José Correia do Souto escreve que a poesia de Irene Lisboa toca os temas concretos, quotidianos, mas sempre com um olhar "de quem vê nascer o Mundo em cada humilde manifestação de vida". É uma escrita confessional que valoriza as pequenas coisas da gente do povo e implicitamente critica valores burgueses.
Ainda sob o nome de João Falco aparece em 1939 o livro titulado Solidão – Notas do punho de uma mulher, que, pela inserção das datações genéricas e pelo carácter introspectivo, se aproxima do género diarístico. A mesma temática intimista, o estilo e a característica fragmentação de Solidão – Notas do punho de uma mulher têm continuação em Apontamentos e em Solidão – II. Publicados respectivamente em 1943 e em 1966 são livros de cunho autobiográfico em que uma voz feminina fala de si e do seu íntimo. Predomina o tema de solidão e da queixa pela ausência do amor, o que não impede a autora um olhar vasto do mundo.
As novelas Começa uma vida (1940) e Voltar atrás para quê? (1956) também se situam na vertente autobiográfica da escritora. As duas relatam a vida de uma rapariga desde a sua infância até aos dezoito anos. Contam os acontecimentos que a tornaram solitária, agressiva e muito atenta ao mundo que a rodeava. Como diz Paula Morão:
"separada da mãe cerca dos três anos, vive com o pai e uma madrinha na quinta desta, estigmatizada por uma bastardia que o crescimento vem agudizar, não só pelas suas sequelas no imaginário da protagonista, mas pelas consequências práticas sobre a sua vida, vendo-se desprovida de bens materiais e sobretudo simbólicos (nunca reconhecida pelo pai e espoliada dos seus direitos por acção de gente ambiciosa e sem escrúpulos). Sendo uma história pessoal, um "caso", ela é também exemplar de um certo tempo português do começo do século XX, caracterizado pela decadência dos terra tenentes e da burguesia promovida pelo dinheiro à custa do sacrifício dos mais fracos."
Outra vertente da prosa de ficção de Irene Lisboa centra-se nas curtas formas de narrativa, que a própria escritora denomina como "crónica" ou "reportagem". Esta Cidade!, O pouco e o muito – Crónica urbana, Título qualquer serve para novelas e noveletas, Crónicas da Serra são algumas destas curtas obras que retratam tanto o mundo urbano lisboeta como o rural e o serrano. Nelas Irene Lisboa toma como motivo central os pequenos dramas quotidianos do povo, sobretudo das mulheres que frequentemente aparecem como personagens passivas e sofredoras. As histórias são cheias de melancolia e comoção da autora. Assim escreve Massaud Moisses sobre estas obras de Irene Lisboa:
"Certa melancolia, fruto possível dum solipsismo de raiz e de hábito, envolve os quadros dramáticos, dando-lhes o carácter de vistos através de lágrimas ou dum véu de comoção que a narradora não esconde nem atenua. Resulta disso uma escritora humaníssima, aderida às pessoas com uma simpatia ultra-estética, que advém de ser uma sensibilidade a sua, apta a fixar a mínima vibração da alma humana".
Consequentemente, Irene Lisboa mostra-se como uma escritora muito humana e sensível ao drama dos outros.
Podemos resumir a obra de Irene Lisboa com as palavras de Jacinto do Prado Coelho que constata que:
"Ainda a propósito dos seus livros, diz-se que tudo o que produziu reage a uma desolada situação de mulher alta e livre num mundo atrasado meio pequeno-burguês, conseguindo vencer a solidão, graças a uma convivência aberta à gente simples da rua, da escada de serviço, com quem se integra no seu próprio linguajar através de alguns dos seus livros"
Concluímos que mercê a esta convivência aberta com a gente simples da rua com a qual se integra na sua escrita, redescobrindo o amor das coisas simples e revalorizando os pequenos factos do quotidiano sem história, Irene Lisboa consegue vencer a solidão.
Irene Lisboa, além duma vasta obra literária deixou muitos trabalhos científicos na área da Pedagogia.
Os pseudónimos que utilizou Irene Lisboa na sua escrita literária e cientifica
João Falco
Manuel Soares
Maria Moira
Faleceu a 25 de Novembro de 1958, a um mês de cumprir 66 anos de idade. Os restos mortais da escritora foram em 13 de Janeiro de 2013 trasladados do cemitério da Ajuda, em Lisboa, para o cemitério de Arruda dos Vinhos.
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