Contei. O garoto já sabe quinze palavras, talvez mais. Para que elas lhe servem? Mamã, papá, aua. Elas o põem em contato com o mundo, com as coisas.
Sempre gostei e me impressionei com as palavras. Impressionei-as, igualmente, com o meu ritmo frenético, tentando mais amá-las do que sabê-las. Que fiz eu delas, que fizeram elas de mim?
Ele já sabe quinze palavras, talvez mais. Eu o observo e ao seu dicionário inconcluso. Aproximam-nos as poucas palavras que trocamos, em silêncio. Elas lhe proporcionam coisas, saciam-no. A mim, a combinação delas leva ao êxtase, traz-me de volta o gosto doce da vida. Impagável! São apenas palavras, mas escrevê-las e lê-las em seguida é o supremo elixir, faz renascer o menino que eu fui e que, como ele, dizia aua quando tinha sede e lia livros para não morrer. Sempre me fartei de palavras e vivi, confesso, saciado. Não há vazio em mim que elas não preecham; elas cobrem-me a calvície como um véu.
Mas, afinal, era para falar dele ou de mim que eu dei a escrever? De mim ou do bebê que já sabe quinze palavras, ou mais, e com elas vive como se – tal qual acontece comigo – nada lhe faltasse?
Agora sei muitas palavras. E o que fazer com elas, senão mo-lhá-las no leite e comê-las como pão? Escrevi-as tantas, mas o silên-cio ainda reina em mim e me ronda como rapina. Escrevê-las e lê-las em seguida, por enquanto, basta-me.
Oitava Antologia Ponto & Vírgula - Pág. 86
Editora: FUNPEC 2016
Coordenação: Irene Coimbra
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