Pintar o rosto de Márcia
Com tal primor determino,
Que seja logo seu rosto
Pela pinta conhecido.
Anda doudo de prazer
Seu cabelo por tão lindo,
Pois mal lhe vai uma onda,
Quando outra já lhe tem vindo.
Sua testa com seus arcos
Do Turco Império castigo
Vencido tem Solimão,
Meias Luas tem vencido.
Dormidos seus olhos são,
Porém Planetas tão ricos
Nunca já foram sonhados,
Bem que sempre são dormidos.
A dormir creio se lançam
Por ter de mortais, e vivos
Tão boa fama cobrado,
Nome tão grande adquirido.
Entre seus raios se mostra
O grande nariz bornido,
Por final que entre seus raios
Prova o nariz de aquilino.
Nas taças de suas faces
Feitas do metal mais limpo,
Como certos Reverendos,
Mistura o branco co’tinto.
As perlas dos dentes alvos,
Os rubins dos beiços finos
Tem desdentado o marfim,
E a cor mais viva comido.
O passadiço da voz
Nem é neve, nem é vidro,
Nem mármore, nem marfim,
Nem cristal, mas passadiço.
Na maior força de Julho
Creio que treme de frio,
Pois tem como neve as mãos
E os pés como neve frios.
Que nelas há dous contrários
Os meus olhos mo têm dito,
Pois sendo uma fermosura
São mais pequenas que os chispos.
No maior rigor do Inverno,
Na maior calma de Estio,
Nem tem frio, nem tem calma,
Nem tem calma, nem tem frio.
Porque de Inverno, e Verão
Sempre Primavera há sido,
Pois sempre veste de Abril,
E de Maio traz vestido.
Este é de Márcia o retrato,
E dirá quem o tem visto,
Que com ela o seu retrato
Se parece todo escrito.
Mas se em cousa alguma erro
Das que até’qui tenho dito,
À vista do tal retrato
Me retrato, e me desdigo.
Frei Jerônimo Baía, in 'Fénix
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