III
Tenho as mãos já quebradas, de vencidas;
Dedos ermos de Sol e de Amplidão.
Já mal pressinto a Vida em tantas vidas
Que me vestem de Morte cada mão.
As estradas, já todas percorridas...
O voo, sem azul nem ascensão...
Sempre a saudade atroz das coisas idas
Com o Tempo e o meu próprio coração.
De mãos abertas, sem punhal ou escudo,
Dei o Céu, dei a terra, dei o mar,
Numa alucinação que ninguém mede.
Mãos vaidosas que, de alto, deram tudo,
Agora só as sabe consolar
A humildade ajoelhada de quem pede.
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Essas mãos que hoje tenho não são minhas.
Não conheço estes dedos alongados,
Estas palmas tão cheias de cuidados,
Da certeza da Morte tão vizinhas.
Mãos que dançaram e plantaram vinhas;
Depois colheram goivos encarnados...
Mãos de escrava, de pulsos amarrados,
Mãos livres, como livres andorinhas.
Trago um mistério fundo em cada mão...
Sei que não passo de continuação,
Que o Destino que sofro, não é meu.
Já que eu não sou princípio nem sou fim,
Depois de mim, quem viverá por mim ?
Antes de mim, quem foi que me viveu ?
Maria Helena
Lisboa: 1966
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