Lima Barreto- biografia

Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1881. Era filho de João Henriques de Lima Barreto, filho de uma antiga escrava e de um madeireiro português, e de Amália Augusta, filha de escrava e agregada da família Pereira Carvalho. Quando nasceu, a família morava na rua Ipiranga, próxima ao Largo do Machado, e seu pai ganhava a vida como tipógrafo. Aprendeu a profissão no Imperial Instituto Artístico, que imprimia o periódico "A Semana Ilustrada". Sua mãe foi educada com esmero, sendo professora da 1ª à 4ª série. Ela faleceu quando ele tinha apenas 6 anos e João Henriques trabalhou muito para sustentar os quatro filhos do casal. João Henriques era monarquista, ligado ao visconde de Ouro Preto, padrinho do futuro escritor. Talvez as lembranças saudosistas do fim do período imperial no Brasil, bem como as remotas lembranças da Abolição da Escravatura na infância tenham vindo a exercer influência sobre a visão crítica de Lima Barreto sobre o  regime republicano. Faleceu aos 41 anos em sua casa, no bairro de Todos os Santos, no Rio de Janeiro e foi sepultado no Cemitério de São João Batista.

Ainda em sua infância e por meio de contactos do pai, Lima Barreto é apadrinhado pelo visconde de Ouro Preto (1836–1912), influente ministro do império, que lhe garante uma educação escolar de qualidade. Torna-se órfão de mãe ainda na infância. Ingressa na Escola Politécnica em 1897, mas, reprovado continuamente em diversas matérias e obrigado a sustentar os irmãos, por conta dos problemas psiquiátricos do pai, abandona os estudos.

Em 1903, por meio de um concurso público, inicia carreira no setor burocrático da Secretaria de Guerra e também sua intensa colaboração com a imprensa do Rio de Janeiro, publicando artigos e crónicas em periódicos como Correio da Manhã e Jornal do Commercio. Em 1907, integra o grupo de escritores e ilustradores que colaboram na revista Fon-Fon desde o primeiro número. Logo depois, com amigos literatos, funda e dirige a revista Floreal, que tem apenas quatro números, e onde inicia a publicação do folhetim Recordações do Escrivão Isaías Caminha, que é publicado em livro somente em 1909.

Já em 1911, publica Triste Fim de Policarpo Quaresma nas páginas do Jornal do Commercio, pagando do próprio bolso a edição em livro que foi lançada em dezembro de 1915. Por essa época já são agudas as crises do escritor relacionadas ao alcoolismo e à depressão que provocam sua primeira internação no hospício, em 1914.

Ainda em 1915, começa sua longa colaboração com a revista popular ilustrada Careta, que vai durar até sua morte (com um hiato entre 1916 e 1918). A Careta foi um importante meio de divulgação das ideias de Lima Barreto e o períódico em que ele mais publicou ao longo de sua vida, inclusive sob diversos pseudónimos, muitos deles só descobertos em 2016 e publicados no livro Sátiras e outras subversões.

Em 1916, passa a colaborar também com a revista ABC e publica alguns textos em periódicos de viés socialista. Passados quatro anos da primeira internação no Hospital dos Alienados por conta de uma crise de alcoolismo, seus problemas de saúde pioram e Lima Barreto é aposentado por invalidez do cargo na Secretaria de Guerra em dezembro de 1918. No ano seguinte, 1919, é publicado seu romance Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá pela editora Revista do Brasil, de Monteiro Lobato.

Os períodos de internação no hospício resultam na composição de diversos diários e no romance inacabado Cemitério dos Vivos, que tem trechos publicados em 1921, mesmo ano em que o autor apresenta sua terceira candidatura à Academia Brasileira de Letras (nas duas tentativas anteriores, é preterido; nesta última, o próprio escritor desiste antes das eleições). Com a saúde cada vez mais debilitada, Lima Barreto falece no dia primeiro do mês de novembro de 1922, em decorrência de um colapso cardíaco. A maior parte de seus escritos, tais como Cemitério dos Vivos, Diário Íntimo e parte da correspondência pessoal, são publicados postumamente, a partir da pesquisa de Francisco de Assis Barbosa nas décadas de 1940 e 1950.



Afonso Henriques de Lima Barreto foi o crítico mais agudo da época da Primeira República no Brasil, rompendo com o nacionalismo ufanista e pondo a nu a roupagem republicana que manteve os privilégios de famílias aristocráticas e dos militares.

Em sua obra, de temática social, privilegiou os pobres, os boémios e os arruinados, assim como a sátira que criticava de maneira sagaz e bem-humorada os vícios e corrupções da sociedade e da política. Foi severamente criticado por alguns escritores de seu tempo por seu estilo despojado e coloquial, que Manuel Bandeira chamou de "fala brasileira" e que acabou influenciando os escritores modernistas. Suas obras seguem duas vertentes principais: a sátira menipeia e o romance do realismo resgatando em ambos formatos as tradições cómicas, carnavalescas e picarescas da cultura popular.

Seu projeto literária era escrever uma "literatura militante", apropriando-se da expressão Eça de Queirós. Para Lima Barreto, escrever tinha finalidade de criticar o mundo circundante para despertar alternativas renovadoras dos costumes e de práticas que, na sociedade, privilegiavam certas classes sociais, indivíduos e grupos.   

Muitos críticos apontam que a obra literária de Lima Barreto ora alcança altos níveis de criatividade e realização estética, ora abdica de maiores preocupações artísticas para se assumir como panfleto ou meio de documentação social, política e histórica. Antonio Candido (1918), por exemplo, observa que a concepção literária de Lima Barreto (que enxerga a literatura como um dos meios para uma possível intervenção na sociedade) "de um lado favoreceu nele a expressão escrita da personalidade", "de outro pode ter contribuído para atrapalhar a realização plena do ficcionista". Desse modo, o crítico ressalta o valor de sua "inteligência voltada com lucidez para o desmascaramento da sociedade e a análise das próprias emoções", mas também afirma ser ele um escritor que não atingiu toda a sua potencialidade como narrador, sendo algumas vezes malsucedido na transposição de uma ideia numa realização literária criativa.

O crítico Osman Lins (1924–1978) afirmando que, para além de realizações estéticas desiguais, há "certas características de ordem literária e humana que atravessam todos os seus livros – ou, até, todas as suas páginas –, dando-lhes grande homogeneidade", concluindo que "sua obra tão variada é um bloco coerente e em toda ela reconhecemos, inconfundível, nítida, a personalidade do autor".

Definida pelo próprio Lima Barreto como "militante", sua produção literária está quase inteiramente voltada para a investigação das desigualdades sociais, da hipocrisia e da falsidade dos homens e das mulheres em suas relações dentro dessa sociedade. Em muitas obras, como no seu célebre romance Triste Fim de Policarpo Quaresma e no conto O Homem que Sabia Javanês, o método escolhido por Lima Barreto para tratar desses temas é o da sátira, cheia de ironia, humor e sarcasmo.

No romance, narra-se a história de Policarpo Quaresma, homem de inteligência mediana, mas de nacionalismo e boa-fé inabaláveis. Agindo de modo a valorizar e popularizar ideais do que ele julga ser a verdadeira cultura brasileira, Quaresma obtém da sociedade uma resposta sempre dura, sendo classificado como louco (ora inofensivo, ora perigoso). Desse modo, como observa Osman Lins, esse "é um romance sobre o desajuste entre o imaginário e o real, entre a idealização e a verdade, entre a ideia que o personagem-título faz do seu país e o que o seu país é realmente".

No decorrer da obra, o autor também procura ridicularizar o apego da sociedade aos títulos, sobretudo o de bacharel, bem como as instituições políticas da época, sua burocracia e sua inoperância. Já em O Homem que Sabia Javanês é apresentado o caso de uma pessoa que, afirmando dominar o idioma javanês sem na realidade conhecê-lo, consegue enganar boa parte da sociedade carioca da época e até mesmo ascender na carreira política, acadêmica e diplomática com base nessa mentira; a certa altura, o personagem declara: "Imagina tu que eu até aí nada sabia de javanês, mas estava empregado e iria representar o Brasil em um congresso de sábios", trecho que representa uma crítica contundente à predominância das aparências nos meios sociais e políticos do período retratado.

Esses mesmos temas, quase sempre de ordem social, apresentam abordagens distintas em outras obras. No conto A Nova Califórnia, por exemplo, a escrita de Lima Barreto ganha certos contornos macabros ao narrar a história dos habitantes de uma pequena cidade que, ao descobrirem que se poderia fabricar ouro a partir de ossos humanos, esquecem todos os seus supostos valores éticos e morais, de extrato cristão, e cometem profanações e assassinatos em função da possibilidade de riqueza e ascensão social.

Lima Barreto declara diversas vezes não aprovar nenhum tipo de preciosismo na escrita literária. Critica seu contemporâneo Coelho Neto afirmando que "não posso compreender que a literatura consista no culto ao dicionário" e declarando que a beleza literária "não é um caráter extrínseco da obra, mas intrínseco, perante o qual aquele pouco vale. É a substância da obra, não são suas aparências" - declarações, sobretudo esta última, que indicam como eram indissociáveis a estética buscada e a ética preconizada pelo autor, que procura despir tanto a literatura quanto a sociedade de suas falsas aparências. Dessa postura, cria-se uma literatura marcada pelo coloquialismo, por um vocabulário pouco rebuscado e pela expressão direta - o que não significa desleixo ou pouca preocupação formal, mas a adequação do modo de expressão àquilo que se deseja demonstrar.

Essa crueza estilística, no caso de um romance de teor autobiográfico como Recordações do Escrivão Isaías Caminha, é a ideal para a representação dos percalços e dos preconceitos de ordem social e racial enfrentados por seu personagem em busca de ascensão na profissão de jornalista. O mesmo acontece em Cemitério dos Vivos, dura descrição da loucura e da internação em um hospício. É sobretudo nessa força e nessa tentativa de construir uma obra cujos preceitos estéticos são tão pouco disseminados na literatura brasileira, ainda afeita aos ideais de beleza do parnasianismo, que reside a singularidade da arte de Lima Barreto.

Em 2016, uma vasta parte de sua obra escrita publicada pseudônimos foi descoberta por Felipe Botelho Corrêa, que organizou o livro Sátiras e outras subversões que traz à tona 164 textos que permaneciam inéditos em livro.




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