A razão da presença de Van Gogh neste espaço? As cartas de Van Gogh para seu irmão Théo, escritas entre julho de 1873 e 1890. Cartas que me apaixonaram. Falam dos tormentos e do inconformismo do pintor, diante das questões apresentadas pela sociedade.
Vincent Willem van Gogh nasceu em 30 de março de 1853, em Groot-Zundert, um povoado próximo de Breda, na província de Brabante do Norte, localidade de cultura predominantemente católica no sul dos Países Baixos.Foi o filho sobrevivente mais velho de Theodorus van Gogh, um pastor da Igreja Reformada Holandesa, e Anna Cornelia Carbentus. O nome de Vincent foi dado em homenagem ao avô e a um irmão, o primogênito, natimorto exatamente um ano antes de seu nascimento. A prática da reutilização de nomes não era incomum à época; "vincent", em verdade, foi um prenome recorrente na família van Gogh, que teve como figura mais influente o avô (1789-1874), formado em teologia pela Universidade de Leiden em 1811. Este teve seis filhos, três dos quais se tornaram negociantes de arte, incluindo um outro Vincent, citado nas cartas como "tio Cent". O avô, por sua vez, talvez tenha sido nomeado em sequência ao tio de seu pai, o bem-sucedido escultor Vincent van Gogh (1729-1802). Arte e religião foram dois âmbitos em torno dos quais a família van Gogh orbitou. Já o irmão mais próximo do futuro pós-impressionista, Theodorus, ou "Theo", nasceu em 1º de maio de 1857. Ele tinha outro irmão, Cornelius, ou "Cor", e três irmãs, chamadas Elisabeth, Anna, e Willemina, esta última também referida como "Wil".
Vincent com aproximadamente treze anos. Fotografia de c. 1866.
Van Gogh foi uma criança séria, quieta e introspectiva. Frequentou uma escola do vilarejo local a partir de 1860, onde um único professor católico ensinava para cerca de duzentos alunos. Em 1861, contudo, ele e sua irmã Anna passaram a ter aulas em casa, dadas por uma instrutora particular, condição essa que perdurou até 1° de outubro de 1864, quando foi colocado num colégio de internato em Zevenbergen, distante aproximadamente 32 km (20 milhas) de casa. O menino mostrou-se aflito em deixar o lar de sua família. Em 15 de setembro de 1866, foi transferido para a escola secundária Willem II, em Tilburgo. Constantijn C. Huysmans, um artista de sucesso de Paris, ensinou-o a desenhar no colégio. A prática do desenho, iniciada na infância, foi continuada ao longo dos anos que antecederam a sua decisão de se tornar um artista. Embora bem-feitas e expressivas, as primeiras ilustrações não abordavam os temas com a intensidade que viria a dominar suas obras posteriores. Em março de 1868, deixou a escola repentinamente e voltou para casa. Ao escrever sobre seus primeiros anos numa carta para Theo, em 1883, Vincent confessou: "minha juventude foi sombria, fria e estéril".
Em julho de 1869, seu tio Cent o ajudou a obter uma vaga de trabalho com os negociantes de arte da Goupil & Cie, em Haia. Após um treinamento, a empresa o transferiu, em junho de 1873, para Londres, onde se alojou na Hackford Road, 87, Brixton, e trabalhou na Goupil & Co. da Southampton Street. Considera-se este como um período feliz da vida de van Gogh; quando foi bem-sucedido no trabalho e, aos 20 anos, ganhava mais que seu pai. A esposa de Theo mais tarde afirmou ter sido este o ano mais feliz na vida do irmão de seu marido. Nesse ínterim, Vincent se apaixonou pela filha de sua senhoria, Eugénie Loyer, porém, quando finalmente confessou seus sentimentos para a garota, ela o rejeitou, dizendo que estava secretamente noiva de um ex-inquilino. A partir daí, ele se tornou cada vez mais isolado e fervoroso em religião. Seu pai e tio arranjaram-lhe uma transferência para Paris, mas lá ficou ressentido por causa da forma com que a arte era tratada, como um commodity, algo que passou a transparecer em seu comportamento no emprego e que foi notado pelos clientes. Em 1º de abril de 1876, Goupil o afastou do trabalho.
Van Gogh retornou à Inglaterra para trabalhar voluntariamente como professor substituto numa pequena escola de internato em Ramsgate. Quando o dono da instituição se mudou para Isleworth, Middlesex, Vincent foi com ele, executando parte da viagem a trem e parte a pé. Essa ocupação, contudo, não vingou e o rapaz a abandonou na busca por se tornar um assistente de pastor metodista, seguindo o desejo de "pregar o evangelho em toda parte". No natal, voltou para casa e, após, foi trabalhar numa livraria em Dordrecht por seis meses. Infeliz com o emprego, passava a maior parte de seu tempo a rabiscar ou traduzir passagens da Bíblia em Inglês, francês e alemão. De acordo com seu companheiro de quarto à época, um jovem professor chamado Görlitz, Vincent comia frugalmente e preferia não ingerir carne.
O zelo religioso de Van Gogh cresceu até que sentiu ter encontrado sua verdadeira vocação. Como apoio ao seu esforço de se tornar um pastor, sua família o enviou a Amsterdã, para que estudasse teologia, em maio de 1877, onde permaneceu com o tio Jan Van Gogh, um vice-almirante da Marinha. Preparou-se para um exame de entrada com outro tio, Johannes Stricker, um respeitado teólogo nos Países Baixos. Vincent, após a reprovação no exame, deixou a casa do tio Jan em julho de 1878. O rapaz, então, buscou um curso de três meses na Vlaamsche Opleidingsschool, uma escola missionária protestante em Laeken, próxima de Bruxelas, mas não o completou.
Gravura de Van Gogh retratando sua morada em Londres, quando trabalhava para a Goupil & Co.
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