Bem cedo cerram-se as portas
Sem trinco ou tranca ou fechadura
Das trindades às horas mortas
Há um silêncio talhado em loucura
Um esgrimir de barulhos em luta
Um desassossego por sentir
A noite enforca-se de tortura
O dia afunda-se de labuta
Tudo parece chegar e partir
E dos currais grunhos enfeitam a madrugada
Abrem-se os portais da bruma
A névoa fria emaranhada
Das lágrimas feitas de espuma
Na sombria luz clareada
Que em baforadas de melancolia se esfuma
Morde de uma pobreza infinita
E o dia sem sol ainda grita
Já os lameiros estão pisados
E as terras em descanso
Embaladas na invernia
São portais escancarados
Temem o pranto manso
Do inquieto rio a correr
Em bucólica fantasia
A vida a estremecer
No ventre da alma das mulheres transmontanas
Há o labor o parir e as rezas do ser
Palavras secretas divinas e mundanas
Como se existir pudesse transparecer
Por entre frinchas e aberturas
Uma réstia de luz de marfim
Que a negra e profunda solidão
Bem enraizada em mim
Do avental ao xaile e ao lenço
São uma herança sem fim
São a minha condição
A este mundo onde eu pertenço
...
musa
Comentários