A INFÂNCIA REVISITADA (*) Ely Vieitez Lisboa


Não sou saudosista. Pelo contrário, tenho um pé atrás com pessoas que evocam muito o passado: elas não são felizes no presente, não administram bem a realidade. Talvez eu seja meio radical, mas não creio na falácia que se aprende com o vivido. Quando os fatos parecem se repetir, mudaram-se os tempos, os atores, hábitos, costumes, valores e tudo é um eterno happening: aqui, agora, o novo pedindo opções.
Há pretensas verdades que se cristalizam. Há que se duvidar e analisar sempre. Quando ouço dizer que a infância é a época mais bela, mais poética, digo sempre: Vá ler Freud. Nasci em uma cidadezinha de Minas, saí de lá com seis anos e poucas vezes voltei. Nessas visitas rápidas constatei que minhas raízes desapareceram, a ternura erradicou-se, pouco sobrou. Da última vez, fui levar um tio saudosista obcecado. Quando cheguei à rua da casinha onde nasci, só uma curiosidade me movia: ver os lindos canteiros de margaridas, defronte a casa. Todavia, o progresso fatídico nada perdoa. Por questões práticas, a casa foi reformada, o jardim desapareceu. Alguns quarteirões à frente, de novo a curiosidade me cutucou. Desta vez mais forte. Como estaria “meu” pomar lindo, pejado de frutas brasileiras e europeias, os pés de carambolas, seus gomos amarelos e ácidos, as macieiras enfeitadas de pomos rubros, doces, os inacreditáveis marmelos? No local, o coração apertou. O Moloch da economia e do lucro construiu várias casinhas de aluguel, vulgares, antiestéticas, práticas.

Ora, há fatos que nos tornam filosóficos, com pitadas metafísicas. Grandes dores são comuns a todos; frustrações, perdas, sensação de fracasso, inseguranças, tudo parece moldado do mesmo barro da condição humana. Variam só os portadores, lugares, épocas. Geralmente, essa cota negra da existência, preço a pagar, tem algo de fatídico e inexorável. As alegrias não. Dosagens diferentes, razões várias, elas dependem de sensibilidade, lirismo, decepção, gosto, antenas, filosofia de vida. Vários poetas cantam esses tipos de pequenas perdas, como um ensaio das grandes. É como se fosse para a alma ir se acostumando que realmente viver é perigoso.
Na realidade, o Universo e os Homens continuam um grande mistério, algo imenso a ser desvendado. Surgem hipóteses, explicações, mas a certeza é sempre uma incógnita. 
O Homem, pobre animal perdido na sua eterna insciência, procurando saídas e respostas, que poucas vezes chegam.



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