Ética das Relações Profissionais no Trabalho- Diamantino Bártolo


A produtividade de qualquer instituição, pública, privada ou cooperativa, depende, em grande parte, do melhor ou pior relacionamento profissional das equipas, e/ou indivíduos, isoladamente considerados, que nelas exercem as suas funções. Claro que as relações profissionais assentam em objetivos comuns, espírito institucional, valores adotados, missão e satisfação das clientelas. Portanto, todos devem comungar daquelas preocupações.
Trazer para o ambiente profissional amizades pessoais, mais tarde ou mais cedo, acabam por prejudicar os interesses institucionais (e quantas vezes essas amizades também terminam, elas próprias, eventualmente, de forma dramática), porque tal associação levará a comportamentos que podem afetar a amizade pessoal privada, e o profissionalismo dos colegas, porque poderá haver a tentação da sobrevalorização, do elogio permanente e da proteção do amigo, com a desvalorização, inferiorização e alegada incompetência em relação aos restantes colegas, o que cria desmotivação, injustiças e quebras de produtividade, para além de se gerar uma rivalidade, não sadia, que dificulta, ainda mais, o relacionamento.
As relações profissionais devem pautar-se por outros valores, alguns já mencionados e outros que se indicam, nomeadamente: competência, espírito de equipa, responsabilidade, deontologia, lealdade, humildade e gratidão, obviamente entre muitos outros possíveis, igualmente importantes, conforme os pontos de vista: empresarial e dos colaboradores.
Importa, sem prejuízo de outras definições, deixar uma primeira ideia, muito genérica, sobre um dos muitos conceitos do comportamento leal: «Ser leal é estar comprometido com algo em que acreditamos. E se acreditamos, queremos que continue, queremos conservar aquela crença, aquele estado estável criado no grupo.» (ÁVILA, 2005:12).
Significa que nas relações profissionais, a primeira condição para que elas sejam pelo menos normais, é que cada indivíduo seja leal a si próprio, aos seus valores, à sua auto-estima, à sua dignidade. Só depois é que virá a lealdade para com os colegas, desde que se saiba que há reciprocidade e, também, que não violente os próprios valores.
A lealdade para com a instituição é como que o fator objetivo, com o qual se terá sempre de contar, afinal é esta que mantém o indivíduo, a família e, quantas vezes, parte da população, de uma dada localidade. É difícil gerir as diferentes lealdades, mas, similarmente, aqui intervém o bom senso da pessoa, os seus interesses, o seu futuro e dos que dela dependem. Nos tempos que correm, de ainda muita crise, nos domínios que mais afetam as pessoas, quanto ao seu bem-estar, qualidade de vida e futuro, será sempre decisiva a lealdade para com a instituição, embora, e também aqui, mantendo a firmeza no que respeita à defesa dos valores próprios da dignidade que é devida, a qualquer pessoa humana.
É certo que no local de trabalho se adquirem, quantas vezes para o resto da vida, amizades bem sólidas, verdadeiras, que levam a comportamentos leais entre os amigos que, entretanto, se constituem como tais. Nestas circunstâncias, tal amizade deve passar, imediatamente, para o plano privado, fora da instituição e não a misturar com o relacionamento profissional, justamente para a melhorar, consolidar e preservar. Aliás, no plano profissional, toda e qualquer interferência que prejudique a amizade pessoal, deverá ser evitada.
Numa instituição, e/ou numa simples equipa de trabalho, todas as pessoas são diferentes, os seus princípios e valores não são exatamente os mesmos, os seus interesses e objetivos pessoais, também não coincidem em absoluto, as suas personalidades são, igualmente, diversas. As amizades que possam existir entre os diferentes membros do grupo, têm níveis distintos. As lealdades também não são as mesmas. Cada um é leal ao outro se tiver a certeza, através de provas inequívocas, de que há reciprocidade, de contrário, funcionarão a omissão, a indiferença, a desvalorização, a hipocrisia e a mentira.
No contexto do grupo, seja profissional, social ou de qualquer outra natureza, a lealdade, a amizade, o relacionamento sério, imparcial e irrefutável, não são compatíveis entre pessoas que não comungam de boas relações entre elas, isto é: não se pode ser amigo de um, enquanto este tem problemas com o outro; e, ao mesmo tempo, amigo deste outro, transportada esta amizade para os vários relacionamentos, porque, na verdade, é difícil a harmonia entre “Deus e o Diabo”, ou seja, ninguém, que se pretenda ter um comportamento coerente, entre pensamento e ação, pode “Amar dois senhores ao mesmo tempo”. Há que fazer opções honestas, escolher aquelas pessoas que, indubitavelmente, têm dado, ao longo da vida, provas irrefutáveis de fidelidade.
A já velhíssima teoria popular, segundo a qual, é necessário que se faça jogo com todas as pessoas, mesmo que isso não corresponda a qualquer sentimento de sinceridade, para se “levar a vida”, obviamente que em muitas circunstâncias, tem dado os seus frutos, para quem utiliza estas “técnicas”.
Não é este tipo de comportamento que neste trabalho se defende, não significando esta posição qualquer hostilidade a quem o pratica, mas tão só uma atitude criticável e de afastamento, porque, afinal, quando se está perante pessoas que agem com aquele tipo de atitudes, as certezas que antes se tinham, podem passar para o lado da incredibilidade.
No âmbito profissional, começa a tornar-se, cada vez mais evidente, que a lealdade e a amizade, entre colegas, já não será o mais importante, porque se entende que no domínio privado as possibilidades de se exercerem, são maiores e com melhores resultados.
Hoje, «A nova lealdade está voltada em primeiro lugar para a carreira profissional que construímos. Àquela em que actuamos, tomando as decisões certas no sentido de actualizá-la permanentemente e, sobretudo, zelar pela coerência entre nossas acções e convicções. Assumimos, assim, uma atitude positiva de permanente diálogo interior a partir da percepção que temos do contexto cultural em que nos inserimos, fazendo frente aos desafios que a nossa actividade profissional nos exige.» (Ibid.:33).
Naturalmente que a vida humana não se circunscreve ao trabalho, ainda que este constitua a condição “sine qua non” para uma existência de qualidade, que proporciona os recursos materiais para satisfação das necessidades básicas e, se possível, de todas as outras que se desejam.
Considera-se, por isso, que: «O trabalho é importante para a felicidade, mas não é tudo. Não é possível viver só para trabalhar. Acho o sucesso o máximo, mas muitas pessoas estão perdendo a referência do que seja viver.» (SHINYASHIKI, 2000:179).
O que acima foi citado, significa que as relações no local de trabalho, constituem, apenas, uma parte da vida de cada pessoa, eventualmente, um terço dessa mesma vida, por isso mesmo, as relações profissionais devem ser exercidas nesse mesmo contexto, sem o recurso aos valores da relação pessoal, que caracterizam a amizade privada e, em certas circunstâncias, íntima, se se preferir, uma amizade consolidada no verdadeiro “Amor-de-Amigo”.
Em qualquer das dimensões, as amizades, quando verdadeiras, desinteressadas de objetivos inconfessáveis, são necessárias, isto mesmo se apadrinha nesta reflexão, mas, o que se pretende separar muito bem, é a amizade meramente profissional, funcional e cooperante entre os colegas, e a amizade no plano privado, na intimidade e na cumplicidade.
Para que assim aconteça, uma seleção dos amigos é essencial porque: «O discernimento de um amigo vale mais do que a boa-vontade de muitos outros. Portanto, que a escolha domine, não o acaso. Os amigos sábios afugentam os dissabores, enquanto os tolos os acumulam.» (GRACIÁN, 2006:25).
Pretende-se, naturalmente, neste trabalho, demonstrar que a importância da lealdade, da amizade, esta no seu sentido mais íntimo, ou seja, amizade no plano de autêntico “Amor-de-Amigo”, e de outros valores e sentimentos, entre amigos verdadeiros, não deverão ser transportados para/e utilizados no local de trabalho, porque, inevitavelmente, conduzirá a situações desconfortáveis, por exemplo, para dois amigos que realmente o são. Quantas vezes, por via do trabalho, se geram conflitos que depois afetam a relação de amizade privada.
A regra da imparcialidade entre colegas, num mesmo local de trabalho, deverá ser outro princípio a considerar. A equipa funciona tanto melhor, quanto maior for a neutralidade dos respetivos elementos, uns em correlação aos outros. Não pode haver relações profissionais elogiosas para alguns e a indiferença para com outros. O elogio é importante, quando feito pelo superior hierárquico, de tal forma que sirva de motivação para todos os membros da equipa, e não para os inferiorizar.
A colaboração, a interajuda, a compreensão e tolerância dos mais habilidosos, dos mais experientes e dos mais atualizados, deve estar ao serviço daqueles que mais carecem de auxílio. Este comportamento de apoio deve ser exercido com humildade, sem atitudes de omnisciência petulante, do auto-elogio e da inferiorização da/os colegas, que necessitam de auxílio.
O profissionalismo, e as relações que ele implica, não podem ignorar os objetivos da instituição, a imagem e a defesa dos valores que ela defende e deseja ver propagados. Neste domínio, as relações profissionais são importantes para que todos os colaboradores falem a uma só voz, em benefício da empresa, que é o mesmo que dizer, para bem de todos.
As relações profissionais, no local de trabalho, devem, portanto, atender à colaboração entre os membros da instituição, de forma competente e cordial, respeitando os princípios e valores de cada trabalhador, e da empresa, mas exigindo igual procedimento, que se verifique reciprocidade nas palavras, atitudes e comportamentos.
Entende-se que as relações profissionais, no local de trabalho (e não só) podem ser substancialmente melhoradas, no plano do exercício das respetivas funções de cada trabalhador, se este tiver a preocupação de permanente aprendizagem, por sua própria iniciativa, na medida em que: «O autodesenvolvimento é a pessoa cuidar da sua própria evolução educacional, cultural, técnica e atitudinal por conta própria.» (RESENDE, 2000:122).

Bibliografia

ÁVILA, Lauro António Lacerda de (2005). Lealdade nas Atuais Relações de Trabalho, Vale do Rio dos Sinos - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Cadernos IHU, Ano 3, Nº 14 – 2005
GRACIÁN, Baltasar. (2006). A Arte da Prudência. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret
RESENDE, Enio, (2000). O Livro das Competências. Desenvolvimento das Competências: A melhor Auto-Ajuda para Pessoas, Organizações e Sociedade. Rio de Janeiro: Qualitymark
SHINYASHIKI, Roberto T., (2000). Os Donos do Futuro. 31ª Edição. S. Paulo: Editora Infinito.


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo



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