“Homem comum”– Ferreira Gullar



Sou um homem comum

de carne e de memória

de osso e esquecimento

e a vida sopra dentro de mim

pânica

feito a chama de um maçarico

e pode

subitamente

cessar.

Sou como você

feito de coisas lembradas

e esquecidas

rostos e

mãos, o guarda-sol vermelho ao meio-dia

em Pastos-Bons

defuntas alegrias flores

passarinhos

facho de tarde luminosa

nomes que já nem sei

bandejas bandeiras bananeiras

tudo

misturado

essa lenha perfumada

que se acende

e me faz

caminhar

Sou um homem comum

brasileiro, maior, casado, reservista,

e não vejo na vida, amigo,

nenhum sentido, senão

lutarmos juntos por um mundo melhor.

Poeta fui de rápido destino.

Mas a poesia é rara e não comove

nem move o pau-de-arara.

Quero, por isso, falar com você,

de homem para homem,

apoiar-me em

você

oferecer-lhe o meu braço

que o tempo é pouco

e o latifúndio está aí,
matando.

Que o tempo é pouco
e aí estão o Chase Bank,

a IT & T, a Bond and Share,

a Wilson, a Hanna, a Anderson Clayton,

e sabe-se lá quantos outros

braços do polvo a nos sugar a vida

e a bolsa

Homem comum,
igual

a você,

cruzo a Avenida sob a pressão do imperialismo.

A sombra do latifúndio

mancha a paisagem

turva as águas do mar

e a infância nos volta

à boca, amarga,

suja de lama e de fome.

Mas somos muitos milhões de homens

comuns

e podemos formar uma muralha

com nossos corpos de sonho e margaridas.


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