Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva GOSE • GCSE • GOIH (Praia da Vitória, 19 de dezembro de 1901 — Lisboa, 20 de fevereiro de 1978) foi um poeta, romancista, cronista, académico e intelectual açoriano que se destacou como autor de Mau Tempo no Canal, e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Filho de Vitorino Gomes da Silva e de Maria da Glória Mendes Pinheiro, na infância a vida não lhe correu bem em termos de sucesso escolar, uma vez que foi expulso do Liceu de Angra, e reprovou o 5.º ano, facto que o levou a sentir-se incompreendido pelos professores. Do período do Liceu de Angra, apenas guardou boas recordações de Manuel António Ferreira Deusdado, professor de História, que o introduziu na vida das Letras.
Com 16 anos de idade, Nemésio desembarcou pela primeira vez na cidade da Horta para se apresentar a exames, como aluno externo do Liceu Nacional da Horta. Acabou por concluir o Curso Geral dos Liceus, em 16 de julho de 1918, com a qualificação de dez valores.
A sua estadia na Horta foi curta, de maio a agosto de 1918. A 13 de agosto o jornal O Telégrafo dava notícia de que Nemésio, apesar de ser um fedelho, um ano antes de chegar à Horta, havia enviado um exemplar de Canto Matinal, o seu primeiro livro de poesia (publicado em 1916), ao diretor de O Telégrafo, Manuel Emídio.
Apesar da tenra idade, Nemésio chegou à Horta já imbuído de alguns ideais republicanos, pois em Angra do Heroísmo já havia participado em reuniões literárias, republicanas e anarco-sindicalistas, tendo sido influenciado pelo seu amigo Jaime Brasil, cinco anos mais velho (primeiro mentor intelectual que o marcou para sempre) e por outras pessoas tal como Luís da Silva Ribeiro, advogado, e Gervásio Lima, escritor e bibliotecário.
Em 1918, no final da Primeira Guerra Mundial, a Horta possuía um intenso comércio marítimo e uma impressionante animação noturna, uma vez que se constituía em porto de escala obrigatória, local de reabastecimento de frotas e de repouso da marinhagem. Na Horta estavam instaladas as companhias dos Cabos Telegráficos Submarinos, que convertiam a cidade num "nó de comunicações" mundiais. Esse ambiente cosmopolita contribuiu, decisivamente, para que ele viesse, mais tarde a escrever a obra mítica que dá pelo nome de Mau Tempo no Canal, trabalhada desde 1939 e publicada em 1944, cuja ação decorre nas quatro principais ilhas do grupo central açoriano: Faial, Pico, São Jorge e Terceira, sendo que o núcleo da intriga se desenvolve na Horta.
Este romance evoca um período (1917-1919) que coincide em parte com a sua permanência na ilha do Faial e nele aparecem pessoas tais como o Dr. José Machado de Serpa, senador da República e estudioso, o padre Nunes da Rosa, contista e professor do Liceu da Horta, e Osório Goulart, poeta.
Em 1919 iniciou o serviço militar, como voluntário na arma de Infantaria, o que lhe proporcionou a primeira viagem para fora do arquipélago. Concluiu o liceu em Coimbra, em 1921, e inscreve-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Três anos mais tarde, Nemésio trocou esse curso pelo de Ciências Histórico Filosóficas, da Faculdade de Letras de Coimbra, e, em 1925, matriculou-se no curso de Filologia Românica da mesma Faculdade.
Na primeira viagem que faz a Espanha, com o Orfeão Académico, em 1923, conhece Miguel Unamuno, escritor e filósofo espanhol (1864-1936), intelectual republicano, e teórico do humanismo revolucionário antifranquista, com quem trocará correspondência anos mais tarde.
A 12 de fevereiro de 1926 desposou, em Coimbra, Gabriela Monjardino de Azevedo Gomes, de quem teve quatro filhos: Georgina (novembro de 1926), Jorge (abril de 1929), Manuel (julho de 1930) e Ana Paula (dezembro de 1931).
Em 1930 transferiu-se para a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa onde, no ano seguinte, concluiu o curso de Filologia Românica, com elevadas classificações, começando desde logo a lecionar literatura italiana. A partir de 1931 deu inicio à carreira académica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde lecionou Literatura Italiana e, mais tarde, Literatura Espanhola.
Em 1934 doutorou-se em Letras pela Universidade de Lisboa com a tese A Mocidade de Herculano até à Volta do Exílio. Entre 1937 e 1939 lecionou na Vrije Universiteit Brussel, tendo regressado, neste último ano, ao ensino na Faculdade de Letras de Lisboa.
Em 1958 leccionou no Brasil. A 19 de julho de 1961 foi feito Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e, a 17 de abril de 1967, Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. A 12 de setembro de 1971, atingido pelo limite legal de idade para exercício de funções públicas, profere a sua última lição na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde ensinara durante quase quatro décadas, passando a ser Catedrático Jubilado.
Foi autor e apresentador do programa televisivo Se bem me lembro, que muito contribuiu para popularizar a sua figura e dirigiu ainda o jornal O Dia entre 11 de dezembro de 1975 a 25 de outubro de 1976.
Foi um dos grandes escritores portugueses do século XX, tendo recebido em 1965, o Prémio Nacional de Literatura e, em 1974, o Prémio Montaigne.
Faleceu a 20 de fevereiro de 1978, em Lisboa, no Hospital da CUF, e foi sepultado em Coimbra. Pouco antes de morrer, pediu ao filho para ser sepultado no cemitério de Santo António dos Olivais, em Coimbra. Mas pediu mais: que os sinos tocassem o Aleluia em vez do dobre a finados. O seu pedido foi respeitado.
A 30 de agosto de 1978 recebeu a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, a título póstumo. Em 1978, a Câmara Municipal de Lisboa homenageou o escritor dando o seu nome a uma rua na zona da Quinta de Santa Clara, na Ameixoeira.
A Casa Vitorino Nemésio localiza-se na freguesia de Santa Cruz, concelho da Praia da Vitória, na ilha Terceira, nos Açores.
A casa de Vitorino Nemésio é um edifício histórico do século XVII, situado na rua de São Paulo (Antiga rua da Cadeia), onde o escritor nasceu em 19 de Dezembro de 1901.
Durante o século XIX o imóvel sofreu diversas intervenções de manutenção e restauro que, no entanto, não lhe alteraram o aspecto exterior. Apresenta molduras de cantaria e alvenarias rebocadas e caiadas.
Na casa, requalificada, instalou-se a partir de 2007 um espaço museológico interpretativo e de estudo da vida e obra do autor. Nele pode ser observada apresentação multimédia, além de fotografias e objectos ligados à vida e à obra do autor, assim como uma cozinha tradicional dos Açores, testemunhos de uma época e de uma arte. No quintal, requalificado como um pequeno espaço para apresentações e recitais, observam-se ainda antigos equipamentos e trabalhos em cantaria.
O conceito de Açorianidade
O conceito de "Açorianidade" foi definido por Nemésio em 1932 e, desde então, foi amplamente divulgado em contextos bem diferenciados, desde estudos de âmbito literário a intervenções de ordem política. Naquele ano, por ocasião do V Centenário do Descobrimento dos Açores, afirmou:
"(...) Quisera poder enfeixar nesta página emotiva o essencial da minha consciência de ilhéu. Em primeiro lugar o apego à terra, este amor elementar que não conhece razões, mas impulsos; e logo o sentimento de uma herança étnica que se relaciona intimamente com a grandeza do mar.
Um espírito nada tradicionalista, mas humaníssimo nas suas contradições, com um temperamento e uma forma literária cépticos, - o basco Baroja, - escreveu um livro chamado Juventud, Egolatria 'O ter nascido junto do mar agrada-me, parece-me como um augúrio de liberdade e de câmbio'. Escreveu a verdade. E muito mais quando se nasce mais do que junto do mar, no próprio seio e infinitude do mar, como as medusas e os peixes (...)
Uma espécie de embriaguez do isolamento impregna a alma e os actos de todo o ilhéu, estrutura-lhe o espírito e procura uma fórmula quási religiosa de convívio com quem não teve a fortuna de nascer, como o logos, na água (...)
(...) Meio milénio de existência sobre tufos vulcânicos, por baixo de nuvens que são asas e bicharocos que são nuvens, é já uma carga respeitável de tempo - e o tempo é espírito em fieri (...)
Como homens, estamos soldados historicamente ao povo de onde viemos e enraizados pelo habitat a uns montes de lava que soltam da própria entranha uma substância que nos penetra. A geografia, para nós, vale outro tanto como a história, e não é debalde que as nossas recordações escritas inserem uns cinquenta por cento de relatos de sismos e enchentes. Como as sereias temos uma dupla natureza: somos de carne e pedra. Os nossos ossos mergulham no mar.
Um dia, se me puder fechar nas minhas quatro paredes da Terceira, sem obrigações para com o mundo e com a vida civil já cumprida, tentarei um ensaio sobre a minha açorianidade subjacente que o desterro afina e exacerba.
Wikipédia, a enciclopédia livre
A casa de Vitorino Nemésio é um edifício histórico do século XVII, situado na rua de São Paulo (Antiga rua da Cadeia), onde o escritor nasceu em 19 de Dezembro de 1901.
Durante o século XIX o imóvel sofreu diversas intervenções de manutenção e restauro que, no entanto, não lhe alteraram o aspecto exterior. Apresenta molduras de cantaria e alvenarias rebocadas e caiadas.
Na casa, requalificada, instalou-se a partir de 2007 um espaço museológico interpretativo e de estudo da vida e obra do autor. Nele pode ser observada apresentação multimédia, além de fotografias e objectos ligados à vida e à obra do autor, assim como uma cozinha tradicional dos Açores, testemunhos de uma época e de uma arte. No quintal, requalificado como um pequeno espaço para apresentações e recitais, observam-se ainda antigos equipamentos e trabalhos em cantaria.
O conceito de Açorianidade
O conceito de "Açorianidade" foi definido por Nemésio em 1932 e, desde então, foi amplamente divulgado em contextos bem diferenciados, desde estudos de âmbito literário a intervenções de ordem política. Naquele ano, por ocasião do V Centenário do Descobrimento dos Açores, afirmou:
"(...) Quisera poder enfeixar nesta página emotiva o essencial da minha consciência de ilhéu. Em primeiro lugar o apego à terra, este amor elementar que não conhece razões, mas impulsos; e logo o sentimento de uma herança étnica que se relaciona intimamente com a grandeza do mar.
Um espírito nada tradicionalista, mas humaníssimo nas suas contradições, com um temperamento e uma forma literária cépticos, - o basco Baroja, - escreveu um livro chamado Juventud, Egolatria 'O ter nascido junto do mar agrada-me, parece-me como um augúrio de liberdade e de câmbio'. Escreveu a verdade. E muito mais quando se nasce mais do que junto do mar, no próprio seio e infinitude do mar, como as medusas e os peixes (...)
Uma espécie de embriaguez do isolamento impregna a alma e os actos de todo o ilhéu, estrutura-lhe o espírito e procura uma fórmula quási religiosa de convívio com quem não teve a fortuna de nascer, como o logos, na água (...)
(...) Meio milénio de existência sobre tufos vulcânicos, por baixo de nuvens que são asas e bicharocos que são nuvens, é já uma carga respeitável de tempo - e o tempo é espírito em fieri (...)
Como homens, estamos soldados historicamente ao povo de onde viemos e enraizados pelo habitat a uns montes de lava que soltam da própria entranha uma substância que nos penetra. A geografia, para nós, vale outro tanto como a história, e não é debalde que as nossas recordações escritas inserem uns cinquenta por cento de relatos de sismos e enchentes. Como as sereias temos uma dupla natureza: somos de carne e pedra. Os nossos ossos mergulham no mar.
Um dia, se me puder fechar nas minhas quatro paredes da Terceira, sem obrigações para com o mundo e com a vida civil já cumprida, tentarei um ensaio sobre a minha açorianidade subjacente que o desterro afina e exacerba.
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