As ruas do inverno- Mar Navarro



Comi um cachorro quente perto de Puerto Madero,
era inverno em Buenos Aires
mas eu esqueci
porque no Rio continuava a ser verão.

Senti o frio enquanto desci do avião
tive que comprar um suéter de lã cinza
desses com lamas tecidas,
na rua Florida
onde a gente trocava reais por pesos
na falsa loja de couro da chinesa com sotaque portenho.

Lembrara-me de tudo aquilo, as ruas daquele filme
por onde o falso Neruda caminhava
por onde o Gael caminhava
antes de morrer na neve.

Mas os pescadores não sabiam do que eu estava a falar
não havia poesia no calhau
não havia poesia na faina
nem nas gaiolas às três da manhã
não havia burguesia comunista contemporânea no meio do mar.

Só havia mãos cheias de cicatrizes,
carteiras de tabaco,
botas de plástico
e vidas cambaleando entre ondas salgadas
que cheiram a peixe, polvo e lula.

De popa a proa deserto
e a vida camba para bombordo.

A ilha é pequena
e volto a soluçar às duas da manhã.


© Mar Navarro Llombart





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