O século XX, concluído há mais de dezasseis anos
ficará na história, certamente, por bons motivos, mas, também, pelo que de mais
negativo a humanidade alguma vez viveu e, naturalmente, parece-me oportuno
recordar as maravilhas da ciência, que, obviamente, com o poderio da técnica e
da tecnologia, se intrometeu de forma decisiva, na dicotomia bem/mal,
vantagens/desvantagens, que marcou a sociedade humana, desde o início daquele
século, com acontecimentos extraordinariamente inesquecíveis, ficando, contudo,
a História dos mesmos sob a responsabilidade dos vindouros.
Logicamente, os filósofos, nas diversas
especialidades, têm vindo a refletir alguns dos aspetos mais significativos e
acutilantes do nosso tempo, em que a dignidade humana não deverá ter leituras
polivalentes, porque não haverá dignidade humana enquanto não forem promovidos
e salvaguardados os Direitos Humanos, embora a tarefa não seja fácil, na medida
em que tais Direitos abarcam um amplíssimo leque que pode iniciar-se na
dignidade individual (direitos políticos, sociais e económicos) e expandir-se
aos legítimos interesses coletivos (direito à paz, ao bom ambiente, à
solidariedade).
Pese, embora, a constatação da existência de uma
absurda lista de crimes contra a humanidade do século anterior, a verdade é que
parece que a opinião pública vem dando sinais de uma renovada sensibilização
para os problemas dos Direitos do Homem, desmistificando um falso debate
ideológico, na medida em que: «Não há
ideologia ou sistema social que detenha o monopólio da garantia desses
direitos, porque se trata efectivamente de Direitos do Homem que cada um deverá
defender e sobre os quais todos deveremos estar de acordo.» (MACHETE
1978:45).
Considerar-me-ão suspeito, juiz em causa própria,
todavia, será oportuno dizer, pese, embora, Portugal nem sempre ter sido um bom
exemplo, quanto ao cumprimento dos Direitos Humanos, se nos recordarmos do
passado colonialista, nem sempre transparente, a verdade é que: «O reconhecimento internacional dos grandes
progressos realizados por Portugal, no campo dos Direitos Humanos, contribuindo
decisivamente para a melhoria espectacular da nossa imagem externa, está na
origem de várias atitudes significativas da comunidade internacional em relação
ao nosso país, entre as quais: facilidades financeiras, eleição de Portugal
para o conselho da Europa, para a Comissão dos Direitos do Homem na ONU e para
o conselho de Segurança.» (PEREIRA, 1978:27).
Muito significativo foi o convite para
Alto-Comissário da ONU-Organização das Nações Unidas, endereçado ao Presidente
de Timor Leste, Dr. José Ramos Horta, que poderemos considerar um
Luso-Timorense o qual, também na língua portuguesa, tem defendido,
inclusivamente arriscando a própria vida, os mais elementares Direitos Humanos.
Num gesto pouco comum e dando, uma vez mais, novo exemplo de defesa desses
mesmos direitos, o Dr. Ramos Horta declinou o alto cargo para continuar no seu
país, ao lado do povo que o elegeu e nele confiou.
No ano de 2016, Portugal, viu reconhecido o seu
esforço na defesa dos Direitos Humanos, na pessoa do ex-alto comissário para os
refugiados, o Excelentíssimo Senhor Engenheiro António Guterres, ao ser eleito
Secretário Geral das Nações Unidas. Este acontecimento, muito nos honra e nos
coloca, finalmente, na vanguarda dos defensores de princípios, valores e
sentimentos humanistas.
Como aprendiz de filósofo, com responsabilidades
docentes/formativas, também como escritor-amador, entendi oportuno comemorar o
sexagésimo nono aniversário da aprovação da Declaração Universal dos Direitos
do Homem, (conforme já referi, num outro trabalho desta série), com a
publicação de uma sequência de artigos, na defesa dos Direitos Humanos,
convicto que, nos tempos modernos, entre um cientificismo imparável, uma
técnica em permanente mutação e uma tecnologia da informação e da computação
avassaladores, ocupando cada vez mais os cientistas e os tecnocratas, restaria
para os Filósofos, para os Escritores Sonhadores e para os Livres Pensadores,
esta nobre missão do século XXI. Nesta perspectiva, abordarei o tema a partir
de um autor contemporâneo, baseando-me numa das suas obras que mais convirá ao
assunto.
Trata-se de Jürgen Habermas, de resto já citado em
artigos anteriores, e o seu livro “Facticidade
e Validez”. Justamente o capítulo sobre a Reconstrução Interna do Direito:
O sistema dos Direitos, iniciando a minha reflexão pelos Direitos Humanos e a
tradição ocidental, na ótica histórico-estrutural, abordando, depois, no âmbito
filosófico do tema, a ideia: “como pensar
os direitos do homem?”, passando, rapidamente, por uma breve invocação
sobre o Direito e a Justiça, para, então, centrar o meu esforço, intelectual e
filosófico, no sistema de direitos de Habermas e, finalmente tentarei concluir
de forma muito pessoal esta primeira incursão num tema tão candente, quanto
pertinente.
Importará, nesta breve intercalação, aludir, ainda
que superficialmente, ao sistema de valores porque: quer a Constituição da
Republica; quer a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 49/2005 de 30 de
Agosto); quer, por fim, a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem,
na medida em que, em termos de instrumentos jurídicos, nacionais e
internacionais, me parecem mais que suficientes, para construirmos uma
sociedade mais justa, assim sejamos capazes de os cumprir, mesmo continuando a
refletir sobre a operacionalidade e a eficácia dos mesmos.
Sociólogos,
juristas, antropólogos, filósofos, historiados, políticos, escritores e outros
especialistas, continuam produzindo as mais diversas interpretações, analisando
os aspetos que poderiam ser melhorados, contudo, os instrumentos principais
continuam insuficientes: um Tribunal Internacional com jurisdição universal e
meios para fazer cumprir as suas decisões sobre violação dos Direitos Humanos,
(porque por mais teorias que se elaborem, por sistemas “perfeitos” que se
criem, a inobservância dos Direitos Humanos, ainda é uma realidade em muitos
países).
Paralelamente ao Tribunal Internacional dos
Direitos Humanos a que já fiz referência, parece-me inevitável, em muitos
países, dotar os respetivos sistemas educativos com uma disciplina obrigatória,
ministrada em todos os graus de ensino, por professores com formação adequada,
nomeadamente: sociólogos, juristas, antropólogos, filósofos, historiadores,
políticos e outros especialistas.
Se aceitarmos que a História é um registo de
mudança social, e esta é interpretada como renovação estrutural, então teremos
uma História para ser contada muitas vezes, o que se torna interessante para a
compreensão dos Direitos Humanos, sendo certo e sabido que, os sistemas
recíprocos de deveres e de direitos, devem ser tão antigos como os próprios
seres humanos.
O conteúdo
normativo concreto varia com a “Lei de
Talião”, em formulações positivas, negativas ou ambas, muitas vezes usadas
como metanorma. A autorreferência será o ponto de apoio para o comportamento
para com o outro, ou seja, a metanorma é epocêntrica. “Faz aos outros o que queres que os outros te façam a ti”, segundo
a lei moral de Kant.
Numa breve referência, centrada em Deus, seja Ele
imanente ou transcendente, então e, respetivamente, os direitos do Outro e os
deveres do Eu derivam dos deveres para com um Deus transcendental, aliás,
exemplo desta ilação, podemos encontrar nos dez mandamentos, os quais
constituem o nosso dever para com Deus, como ética vertical, transcendental, em
oposição à ética horizontal imanente.
Bibliografia
MACHETE, Rui,
(1978). Os Direitos do Homem no Mundo, pág. 43-46, Política - Caderno Nº 2,
Fundação Social-Democrata Oliveira Martins, Lisboa.
PEREIRA,
António Maria, (1978). Direitos do Homem,
pág. 97-104, Tradução, Manuel Alarcão, Livraria Almedina, Coimbra.
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo
Académico de Letras e Artes de Portugal
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