O GAROTO DO PORTÃO VERDE (*)Ely Vieitez Lisboa



Ela ia feliz, desarmada, sob a manhã azul. Nem discutira com a mãe sobre a roupa, que ela teimava de repetir há dias: as calças jeans desbotadas, o tênis velho, a camiseta enorme, quase nos joelhos. Ela ficava mais seca ainda, bambu, vara de virar tripa, com seus dez anos e mais alta do que devia para sua idade.
O acontecimento pegou-a de surpresa, ao virar a esquina. Ela parou estarrecida, vendo a cena, o coração desembestado, a boca seca: na casa à sua frente, um menino de onze ou doze anos prendera o cãozinho sarnento, manco, de orelha sangrando e dava-lhe uma surra de pau, moendo-lhe os ossos.
O que aconteceu em seguida foi questão de segundos. Seu grande amor pelos cães, sentimento enorme, profundo, ferveu- lhe o sangue, aumentou-lhe a força, fez dela uma ousadia viva que voou até as grades verdes, abriu o portão em um ímpeto. Arrancou o bastão das mãos do garoto maldito. De onde tanta força?! O menino, boquiaberto, não se defendeu.
A menina parecia que enlouquecera. Seus olhos fuzilavam de ódio. Com um safanão, empurrou o menino para trás e começou a dar-lhe pauladas nas pernas e no traseiro. O menino abriu o maior bocão, gritou, tentou segurá-la. Ela era uma fúria incontida! 
A mãe do garoto, ouvindo o escarcéu, saiu lá de dentro e, estupefata, veio em socorro do filho já devidamente esbordoado. Segurou a menina, sacudindo-a, berrando: 
– Está louca?! Eu chamo a polícia! 
Já não havia raiva. Ignorando as ameaças, a menina livrou-se das garras da mulher, abaixou-se, pegou o cãozinho com carinho e leveza, aconchegou-o ao peito. O animalzinho tinha uma aparência tão miserável que ela começou a chorar. E alisando o pelo ralo, carregando-o como a um tesouro, saiu pelo portão verde, deixando-o aberto, sem olhar para trás.













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