Se se partisse
de duas premissas, segundo as quais: a primeira, o amigo “ignorante” que pode
conduzir a situações muito difíceis, precisamente porque sendo amigo, nele acreditamos
e nos quer bem; a segunda, que poderá induzir-nos numa outra situação, que
talvez leve o nosso inimigo sábio a envolver-nos, através da sua sabedoria,
eventualmente astuta e maligna, se for o caso, em situações, igualmente perversas,
embora também nos possa dar indicações para a nossa própria autodefesa.
O conceito de
amizade, quando implica valores como: lealdade, solidariedade gratidão,
reciprocidade, humildade, cumplicidade e entrega, entre duas pessoas que
verdadeiramente se querem bem, não é fácil de se destruir, embora, não se
desconheça que, o amigo de hoje pode ser o maior inimigo de amanhã e, nesse
sentido, tendo obtido conhecimentos privados e até íntimos, do que até então
era amigo, os possa utilizar, já na qualidade de inimigo, contra aquele que até
então foi amigo.
A amizade,
fundada no verdadeiro “Amor-de-Amigo”, não será fácil de destruir, os amigos
que assim se tornaram, por via deste vínculo mais forte, estarão sempre
disponíveis para se ajudarem e, mesmo que sejam “ignorantes”, é preciso saber
em que domínio são “ignorantes” para, entre eles, se aperfeiçoarem e adquirirem
os conhecimentos necessários e assim, no futuro, evitarem erros e não se
prejudicarem.
O amigo
verdadeiro, mesmo “ignorante”, quando pela sua “ignorância”, conduz o outro
amigo, a situações complicadas, ele é o primeiro a assumir as consequências, a
reparar o erro, a oferecer o “ombro amigo”, a desculpar-se e a revelar toda a
sua boa-fé. Será que o inimigo “sábio” terá esta dignidade, ou, pelo contrário,
não se aproveitará de uma determinada situação, que é lhe favorável, para
alcançar os seus objetivos inconfessáveis?
Por outro lado,
o papel do inimigo em termos da sua evolução, pode, igualmente, ser o mesmo,
isto é, o que hoje é o nosso maior inimigo, no futuro poderá ser o nosso maior
amigo, por circunstâncias da vida, estratégias, interesses ou por gratidão, em
função de alguma atitude praticada por aquele que, até então, era seu inimigo.
Haverá pessoas assim, certamente.
Em todo o caso,
poderá existir uma espécie de relativização do ponto de vista comportamental,
talvez mais do que na ótica racional. Na verdade, provavelmente, bem lá no
íntimo da sua consciência, o inimigo de sempre, nunca o vai deixar de ser,
mesmo que numa dada fase da sua vida se torne amigo. O contrário será,
igualmente, válido para o amigo.
Para melhor
justificar a preferência pelo amigo “ignorante”, agora no sentido da amizade pura, partilha-se aqui
um conceito muito interessante de amigo,
com o qual estou de concordo, e que passo a citar: «Para
mim um amigo verdadeiro é aquele que nos apoia, que é leal connosco, que nos
respeita, que investe no nosso desenvolvimento, nos ajuda a expandir os nossos
horizontes, que nos incentiva, alguém com o qual temos afinidades idênticas ou
diferentes mas que nos completa, com quem partilhamos os nossos sonhos, aquele
que nos elogia ou nos diz as verdades no momento certo, aquele que nos empresta
um ombro para chorar, mas também aquele que nos faz rir, aquele com quem
gostamos de conversar sem receio, ter um diálogo sincero e verdadeiro, aconselhar-nos,
alguém que não nos cobra nada, que nunca desconfia de nós, alguém de quem temos
saudades quando não está por perto, em
suma que faz de nós uma pessoa melhor e feliz. Por vezes, nem sempre dizemos
aos nossos amigos o quanto eles são importantes para nós… por isso quebrem esse
silêncio e digam-lhes!» (FERNANDES, 2011, http://oquemevainacabecaagora.blogspot.pt/2010/11/profissao-versus-amizade.html
05.07.2016 (TA-155).
Parece evidente que um amigo destes, mesmo que seja
“ignorante”, é preferível a um inimigo sábio, porque, em bom rigor, com aquele
amigo podemos contar, sempre, nos bons e nos maus momentos, é aquela pessoa que
sincera e frontalmente nos diz, no momento certo, quantas vezes, as verdades
que não queremos ouvir, mesmo que proferidas pela boca do tal amigo
“ignorante”, mas que nos quer bem e, ainda que por vezes nos magoe, ele é
sincero, preocupa-se connosco, com a nossa reputação e bem-estar.
E o inimigo, como atua ele para atingir os seus
fins? Provavelmente com premeditação, astúcia, utilizando argumentos que nos
seduzem e nos conduzem para situações verdadeiramente inimagináveis, das quais
não sairemos, justamente porque para lá fomos conduzidos pelo tal inimigo
sábio. Este inimigo sábio, (quantas veze disfarçado de amigo) possivelmente,
não dá a “cara”, poderá, inclusivamente, agir sob a capa da simpatia, da
subserviência, da bajulação hipócrita, colhendo para si o fruto que é de
outros.
E se a seguir conduzirmos o tema para o plano do
“Amor-de-Amigo”, considerando este amigo, igualmente ignorante, uma vez mais
verificamos quanto é importante termos amigos que fundamentam a sua amizade com
este verdadeiro amor, o que parece não ser exequível num inimigo sábio. Aliás,
eventualmente, este inimigo “sábio” até poderá simular uma qualquer amizade e
utilizar as fraquezas e fragilidades de uma pessoa, para dela extrair o que lhe
convém.
Pode deduzir-se que tal amor deve ser
cultivado como um sentimento profundo, muito especial, sem reservas, obviamente
traduzido nos atos compatíveis com ele. Os verdadeiros amigos, que se sentem
inundados por este “Amor-de-Amigo”, devem respeitar-se dentro dos limites que,
reciprocamente, se impõem, sem prejuízo dos gestos e atitudes carinhosas,
reveladores de pessoas com bons sentimentos, sem quaisquer outras intenções
inconfessáveis ou direcionadas para a realização de atos incomportáveis por
aquele sentimento.
A amizade,
traduzida e levada às respetivas manifestações do “Amor-de-Amigo” implica,
inclusivamente, passar por uma necessidade de maior proximidade,
acompanhamento, atenção, carinho e consideração especiais em relação aos amigos,
ditos de ocasião. Se em cada duas pessoas houvesse este verdadeiro
“Amor-de-Amigo”, o mundo estaria bem melhor e a Felicidade seria possível.
Acredita-se
que será difícil, por vezes, confiar em certas pessoas e, provavelmente,
impraticável em relação a muitas outras. É possível compreender que, em muitas
situações, um homem ou uma mulher se possam relacionar muito bem, mesmo tendo
em conta uma certa sociedade preconceituosa ou mesmo maledicente.
O verdadeiro “Amor-de-Amigo” tem de ser
superior a tudo isso. As pessoas devem, livremente, escolher os seus amigos,
sem armadilhas, nem imposições, nem hipocrisias. Quando tal amor existe, com
sinceridade e sentimentos puros, a entrega deve ser total e recíproca, e não
uma rendição provocada por instintos animalescos. Uma dádiva comungada
simultaneamente pelos amigos, mas regulada por valores que resultam da
sensibilidade e da racionalidade.
Obviamente que a defesa de uma ou de outra tese é
sempre legítima, e que se respeita. Do meu ponto de vista, em boa verdade,
prefiro viver com um amigo “ignorante”, porque a amizade é um valor que muito
prezo, mesmo que, por vezes, seja difícil compatibilizar situações,
personalidades, interesses, intromissões e outros acontecimentos que,
momentaneamente, desestabilizam os amigos verdadeiros, mas que a amizade entre
eles, sendo leal, solidária e recíproca, não deixa que se afastem, bem
pelo contrário, os torna mais coesos e fortes, para enfrentarem as adversidades
e as maledicências lançadas por outras pessoas, (os tais inimigos sábios e/ou
os “amigos” hipócritas, de ocasião) contra os dois amigos e/ou um deles.
Os amigos, quando leais, não temem
colocarem-se perante certos factos, porque, “ignorantes”, ou não, sendo amigos,
eles depressa se entendem, rapidamente se perdoam e, depois do perdão, a
amizade como que se reforça, a coesão, entre eles, fortalece-se de tal maneira
que muito dificilmente algum inimigo sábio a destruirá. Prefiro, portanto, os
verdadeiros, sinceros, leais, cúmplices e transparentes amigos “ignorantes” do
que os inimigos sábios, sim, porque estes nunca olharão a meios para nos
derrubarem, se estiverem em causa os seus próprios interesses.
Com os amigos, ainda que
“ignorantes”, poderemos sempre contar: tanto nas horas boas; quanto nas horas
más; nos desentendimentos, como nos melhores entendimentos, ou de contrário não
serão amigos, porque aqui, o que está em causa, para mim, é o conceito de amigo
e o de inimigo, este, como já disse, mesmo que no futuro venha a tornar-se
“amigo”, provavelmente, nunca o será de verdade, porque, bem no seu íntimo,
permanecerão as alegadas razões da sua anterior inimizade.
A corroborar esta tese e de autor desconhecido, transcrevo a seguinte
posição: «A amizade verdadeira está por cima das idéias ou da bagagem conceitual de
cada um. Amigo ignorante não deixa de ser amigo. Não sou amiga somente de
pessoas que tem escolarização ou tem maior sabedoria. A amizade não deixa de
existir diante da simplicidade. Não gostaria de ter inimigo, muito menos,
sábio. São verdadeiras víboras. São capazes de ir até o fim na sua malignidade,
pior ainda, são sutis, astutos. Puxam tapete sorrindo pra você. Estejam longe
de mim sempre. Sem dúvida, valem infinitamente mais os amigos verdadeiros,
ainda que sejam “ignorantes”. Eles não me servirão de tropeço. » (THINKING, Disponível em
https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20070418191907AAQT8RX consultado
em 22.07.2017).
Finalmente,
considero que a amizade da/o amiga/o dita/o “ignorante” poderá incluir-se num
amar sincero, sempre preocupado com o bem do amigo amado, numa perspetiva de
profundo respeito aqui, sem margem para dúvida, e/ou segundas interpretações,
no sentido de: «desejar-lhe o melhor, olhar por ele, tratá-lo de forma
excepcional, dar-lhe o melhor de nós mesmos. Significa a outra nossa alma gémea
da amizade sincera, dos valores e exigências a ela associados, em suma,
trata-se de um amar característico de verdadeiros e incondicionais amigos». (Cf. ROJAS, 1994)
Bibliografia
FERNANDES,
Cecília Manuela Gil Fernandes (2010). Profissão versus Amizade. http://oquemevainacabecaagora.blogspot.pt/2010/11/profissao-versus-amizade.html
30.06.2016 (TA-155)
ROBERTSON, Maria, (2007). Amor
de Amigo, in: BARTOLO, http://caminha2000.com/jornal/n529/cmd2.html 05.03.2011 (TA-150)
ROJAS,
Enrique, (1994). O Homem Light. Tradução Pe. Virgílio Miranda Neves. Madrid:
Ediciones Temas de Hoy, S.A.
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente
do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
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