A complexidade
da vida moderna, face às diversas exigências que ela coloca, vem atingindo, de
forma mais ou menos acentuada, todas as pessoas: quer ao nível individual; quer
no contexto das próprias famílias. Vários são os fatores que contribuem para
uma certa instabilidade para muitos casais: falta de emprego, rendimentos
insuficientes, horários incompatíveis com a reunião da família às refeições e
para o convívio dos cônjuges com os seus filhos. As dificuldades, as incertezas
quanto ao futuro, a impossibilidade de abandonar um emprego, podem conduzir,
caso não se lute até às últimas boas consequências, à ruptura matrimonial.
O casal deve,
portanto, ancorar-se na compreensão, no bom-senso, na cedência mútua de certos
procedimentos, hábitos e outras ocupações, com dignidade, porque,
indiscutivelmente, vale mais a
felicidade de um amor sincero e recíproco, do que determinadas atividades,
quantas vezes efêmeras, que até podem proporcionar convívios alegadamente
alegres, com pessoas ditas interessantes que, porém, em alguns casos, apenas se
preparam para uma intromissão na vida íntima do casal e daí retirar algum
“proveito”.
Naturalmente que
não se defende, nesta reflexão, uma vida de clausura, para todas as pessoas, e
muito menos para os casais, todavia, estes devem usufruir, em privado, de todo
o amor que os une e, nesta situação, colocarem-se, um ao outro, todas as
dúvidas que os atormentam, para poderem encontrar as soluções salvíficas do
matrimónio, que satisfaçam a ambos os cônjuges e, havendo filhos, que possam
contribuir para que estes, no futuro, tenham orgulho dos próprios pais.
A vida de um
casal não é fácil, em todas as fases do matrimónio, independentemente do tempo
decorrido nesta qualidade. Sempre existem situações novas, provocadas pela
própria sociedade, da alteração de muitos dos seus valores, do exercício da atividade
profissional, dos relacionamentos interpessoais, das amizades que se
estabelecem, algumas destas com fins inconfessáveis. Compreender e articular
todos estes fatores, exige grande capacidade de adaptação, de confiança entre
os cônjuges, de flexibilidade de posições e, acima de tudo, de um maior reforço
no amor que os une.
A família tem,
portanto, o significado mais importante e dignificante para qualquer sociedade,
por muito moderna e liberal que esta seja. A família constituída pelos cônjuges
e pelos filhos. Tudo o que o casal fizer
por esta união nunca será excessivo, porque: «O filho encarna o amor do pai e da mãe. Ele projecta ao exterior o amor
íntimo e secreto dos esposos. A preesença dos filhos é o que vivifica o
verdadeiro matrimónio, aumenta o amor dos esposos e oferece um novo motivo para
a união, é o sacrifício generoso. A debilidade da criança que necessita dos
cuidados dos pais, precisa da colaboração, da estabilidade e da união do lar para
seu pleno desenvolvimento.» (GALACHE-GINER-ARANZADI, 1969:246).
Resulta, da
citação anterior, que os superiores interesses da criança têm de estar sempre
em primeiro lugar, que devem ser esgotadas todas as alternativas até se
consumar a separação dos pais. Os progenitores, certamente, enquanto pessoas
que se amam, que consideram a família como um valor supremo, e a preservar,
tudo farão para evitar o desenlace, pelo menos por processos violentos, que deixarão
estigmas indeléveis na criança.
Obviamente que
não se defende nesta reflexão, nem em nenhuma circunstância: uma vida conjugal
de permanente conflito entre os cônjuges, em que os filhos vão presenciado as
desavenças dos pais; como não se aceita a permanente desconfiança; como não se
tolera quaisquer tipos de violências e muito menos a subordinação de um dos
cônjuges ao outro. A igualdade, a harmonia, a educação, o respeito e o amor
são, entre outros, elementos constituintes da felicidade do casal, e da alegria
e orgulho dos filhos.
É certo que os
compromissos profissionais, por vezes, não facilitam a reunião da família por
muito tempo, mas também é verdade que, em algumas circunstâncias, surgem outros
“afazeres”, ditos sociais, políticos, culturais, que tomam imenso tempo e que,
em alguns casos, se podiam dispensar, tudo em benefício da união da família.
Parece que a opção de dispensa de tais atividades não será nada difícil,
principalmente para quem ama a família e os verdadeiros amigos.
Valerá mais uma
hora com a família, e com os verdadeiros amigos, do que meio-dia com outras
pessoas, situações e interesses, quando, verdadeiramente, se ama e se quer bem
à família e aos amigos sinceros, leais, carinhosos e cúmplices, aqui no sentido
da confidencialidade das situações de vida.
É nos tempos de
crise familiar que, havendo amigos verdadeiros, aqueles que se sabe que estão
do lado de quem precisa, aqueles que vivem e sentem bem sinceramente o “amor-de-amigo”, se pode pedir auxílio,
porque eles não o vão negar.
É este amigo solidário e leal, que guarda
secretamente as confidências de uma família ou de um dos seus cônjuges em
dificuldade. Então, para salvar o casamento e antes de qualquer decisão “fatal”
recorra-se a mais esta “alternativa” e, quem sabe, se o tal amigo sincero e
leal não será como que mais uma “tábua de salvação”.
Muito embora se
viva num mundo cada vez mais individualizado, egocêntrico e materialista, e
isto é uma realidade que não se pode escamotear, a luta para manter famílias
nucleares unidas parece ser um bom caminho, na medida em que: «A família, hoje, é mais um centro de vida
afectiva e moral.» (TORRE, 1983:197) e, ao contrário do que se verificava
no passado, eles, os cônjuges, estarão ao lado um do outro, tanto nos bons como
nos maus momentos, ambos participarão em tudo o que respeita à administração
económica do lar, na educação dos filhos, dando e recebendo amor, carinho e
felicidade. Só assim poderá o casal encontrar o equilíbrio e a felicidade
familiar.
Compete, por
isso mesmo, ao casal fazer todos os esforços para preservar e, se possível,
aumentar a sua felicidade e a dos seus filhos. Não basta desfrutar de muitos
bens materiais, de muitas diversões, de atividades sociais, de relacionamentos
casuísticos que, às vezes, provocam a derrocada do matrimónio e, também, não se
pode garantir que sejam seguras quaisquer outras “amizades circunstanciais”,
alguns outros relacionamentos profissionais.
É preciso
receber-se provas frequentes, dir-se-ia, diárias, dos amigos incondicionais, de
que estão inequivocamente connosco, para com eles desabafarmos todos os
problemas da vida, que sejam verdadeiros confidentes, que ajudem a encontrar as
melhores soluções, no mais completo sigilo.
Esqueçam-se,
para os casais que verdadeiramente se amam, aqueles contactos duvidosos que,
por detrás deles, podem estar algumas estratégias extremamente perigosas, tanto
para o homem como para a mulher, quando indefesos e/ou agem de boa-fé. Hoje, há
muitos “lobos vestidos de cordeiros”,
muitos “exibicionistas”, muitos autoproclamados conquistadores de meninas e
senhoras fragilizadas.
Os estrategas
das “oportunidades”, os “abutres” da desgraça alheia, os “galãs” das fraquezas
humanas, possuem valores diferentes, eventualmente, desvalorizam a família, (de
resto, muitas destas pessoas nem sequer têm a dignidade de constituir família,
para não assumirem responsabilidades), e
podem conduzir algum dos seus cônjuges a situações de que não mais se livram e
conduzem à miséria do casal, com consequências nefastas para os filhos, que não
têm culpa de nada. Vice-versa é igualmente válido.
A felicidade do
matrimónio é um bem que deve ser intransigentemente guardado, sistematicamente usufruído
e sempre alimentado pelo casal. Sim, porque: «Ser feliz é o objectivo principal de todas as pessoas. E a felicidade
é obtida em pequenas doses, como resultante de seus esforços, da efecftivaçao
prática de suas aspriações, da sua capacidade de resolver problemas, para
adaptar-se à vida, e da sua capacidade, também, de saber usufruir dos seus recursos
pessoais (…) será feliz do ponto de vista quantitativo, quem tiver maior
quantidade e duração de momentos de felicidade (…) qualitativamente falando,
ser feliz é (…) sentir-se valorizado, aceito e amado.» (RESENDE, 2000:176).
Se dificuldades inultrapassáveis
não existirem, é dever dos cônjuges lutarem pela sua felicidade, amarem-se até
ao limite possível, com este sentimento sublime, ultrapassarem divergências de
comportamentos, de pontos de vista, consensualizarem todos os aspetos em
discussão e daí construírem um novo modelo de vida matrimonial, defenderem-se
reciprocamente dos “intrusos”, afastarem-se das companhias nocivas, mesmo que,
aparentemente, lhes possam ser muito “prestáveis”. Há sempre uma segunda
oportunidade.
Hoje, pode-se
dizer que o amor: seja no contexto do casamento; seja no âmbito do “amor-de-amigo”; seja no quadro mais
vasto da humanidade, evidentemente, amores distintos, tudo pode resolver. Sem
amor, tudo é muito difícil, por isso se apela a que se lute pelo amor, que não
se permitam influências de alegadas amizades iniciadas em circunstâncias e
contextos que nada têm a ver com a felicidade matrimonial. É preciso muito
cuidado com todas as pessoas que, através dos mais diversos meios, por exemplo,
das redes sociais, nos possam comprometer, nomeadamente com frases, postagens e
insinuações pedófilas e pornográficas.
Este nobre
sentimento, o Amor, talvez o mais sublime e dignificante de todos, que tudo
perdoa, que conduz à felicidade suprema, deve ser cultivado no seio das famílias,
por ele tudo se deve fazer, até se esgotarem todas as possibilidades para o
manter bem vivo no coração dos que se amam, também dos verdadeiros, solidários,
leais e incondicionais amigos, e da humanidade em geral É, também, um valor para
as crianças adotarem bem cedo nas suas vidas, este maravilhoso sentimento. Mas o exercício prático, sincero e de dádiva recíproca
deste amor, deve partir do casal.
Lutar pela manutenção
digna e amorosa do casamento é um ato de grande humildade, mas também de uma
imensa generosidade. Lutar, para reconquistar um amor quase perdido, é uma
atitude corajosa, reveladora de quem ainda ama um ente que já foi muito querido
e que, por circunstâncias da vida, se estaria prestes a perder.
Pugnar pela
defesa dos filhos, para que possam ser acompanhados pelos pais é, no mínimo, um
ato de amor supremo, um dever moral e legal. Combater pela felicidade, baseada
num grande amor dos esposos, é a maior conquista que estes, enquanto tais,
podem alcançar nesta vida.
Também não se
pode ignorar a importância e influência da amizade sincera, límpida e generosa dos verdadeiros amigos que,
imediatamente a seguir ao amor do casal, é fundamental e que, de alguma forma,
ajuda a consolidar a união dos cônjuges, quando os amigos se comportam com
respeito, com solidariedade, com lealdade, com gratidão, com reciprocidade, com
um verdadeiro “Amor-de-Amigo”.
Todos os casais
podem (e/ou devem) ter um ou dois amigos, solidários, leais, confidentes, para
se poderem apoiar nos momentos de crise. Para além dos cônjuges, que se amam,
nada melhor do que uma/um boa/m amiga/o, por isso é preciso ter muita cautela
com os amigos que se escolhem, ou daqueles que se querem fazer nossos amigos,
quantas vezes em circunstâncias duvidosas.
Bibliografia
GALACHE
– GINER – ARANZADI, (1969). Uma Escola
Social. 17ª Edição. São Paulo: Edições Loyola
RESENDE, Enio, (2000). O
Livro das Competências. Desenvolvimento das Competências: A melhor Auto-Ajuda
para Pessoas, Organizações e Sociedade. Rio de Janeiro: Qualitymark
TORRE,
Della, (1983). O Homem e a Sociedade. Uma Introdução à Sociologia. 11ª Edição.
São Paulo: Companhia Editora Nacional
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente
do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
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