HISTÓRIAS QUE A VIDA CONTA - (*) Ely Vieitez Lisboa


    Lecionei durante cinquenta e quatro anos e jamais houve um dia que eu me arrependesse da profissão que escolhera. Muito pelo contrário. Dar aulas, para mim, sempre foi uma alegria, um antídoto. Se estava com problemas em casa, ao entrar na sala de aula, tudo mudava e eu passava aquelas horas com prazer e paz.
    Depois de todos esses anos, relembro um mundo de episódios pitorescos, principalmente relacionados com os jovens e os adolescentes. Lena era bela, inteligente, rica, uma deusa. Um dia chegou perto de mim e segredou: Ontem dormi com um rapaz e gostei tanto que hoje lhe mandei duas dúzias de rosas... Eu lhe disse que fizera um erro. Ele, jovem e másculo, jamais aceitaria que ela tomasse tal atitude. Feria a masculinidade dele. Ela fizera algo que cabia a ele. Ela riu, não acreditando. Soube depois que ele a dispensara, sem nenhum argumento.
    Leila tinha dezessete anos, linda, brilhante, encantadora. Chegou ao meu ouvido e disse: Ontem dormi pela primeira vez, com meu namorado. Perguntei-lhe por que me contava isto e se contara a sua mãe. Está louca? Ela retrucou. Contei para meu pai ... E o que ele disse? Perguntei-lhe. Ele quis saber se eu gostara. Diante de minha resposta afirmativa, meu pai retrucou que então estava tudo certo... Entendi o episódio, mas só não lhe revelei uma verdade conhecida por todos, que seu pai era um galanteador, de pouco juízo...
    Sem dúvida, entre as dezenas de episódios pitorescos, lembro-me de Júnia, uma bela jovem inteligente, de cabelos negros e belos olhos. Disse-me em sua linguagem habitual: Estou andando com um homem. Ele é casado e disse que jamais abandonará a família. Retruquei que havia um idiota nesta história e não era ele...Ela riu muito e alguns anos depois telefonou-me de uma cidade do Paraná, dizendo que estava fazendo Medicina  e morando com o antigo galã, que abandonara a família... E ela criticou-me: Como vê, a senhora não conhece nada dos homens...
    Assim foram passando os anos, com dezenas e dezenas de episódios pitorescos, jovens entrando e saindo, alguns cheios de dúvidas em suas escolhas na profissão, outros brilhantes e seguros, galgando os primeiros degraus da fama.  Eu sempre procurando ajudá-los em todos os tipos de dificuldades, acreditando em seu potencial e nos seus sonhos. Foram dezenas e dezenas de histórias, até a minha aposentadoria.
    Aposentada, fiz planos de voltar a pintar, estudar música e línguas. Mas depois de uma semana, morria de saudade de dar aulas. Uma escola  famosa então me convidou para dar aulas de redação e lá fiquei mais dez anos.
    Vendo hoje como está o ensino, a violência nas escolas, tenho a impressão que vivo em outro planeta. Onde aqueles tempos que dar aula era um prazer, os pais nos tratando com respeito e amizade, a escola um ambiente de alegria e paz? O que destruiu tudo isto e hoje a violência grassa como uma planta maldita?
    Muito se tem discutido que a situação é o reflexo de toda a sociedade. Fico melancólica e apesar de não ser saudosista, relembro com o coração apertado de quando a escola era realmente quase um segundo lar. É um labirinto sem saída? Um caminho sem volta? Que pais, professores, educadores e especialistas em educação achem uma resposta.

(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora.
E-mail: elyvieitez@uol.com.br


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