O SENHOR ARTUR- José Fernando Magalhães



Artur, divorciado mas a viver maritalmente com Joana, sem filhos desta união, atravessava o Jardim do Passeio Alegre, na Foz do Douro, com passo apressado.
Era a sua maneira de andar, sempre o fora, um andar quase marcial. Pensava que dessa maneira se manteria durante mais tempo, dono de uma capacidade física invejável, facto de que já recebera a condigna desilusão. Uma maleita nas costas e nas articulações fizeram dele um homem mais triste, e até, quase acabrunhado.
Mas não desistia, da sua maneira de andar, de pegar em pesos sempre que os que dele gostavam não estavam atentos, e de se esquecer de ter as maleitas em atenção, e por via disso, de se cuidar.
Olhos no chão, como era seu costume, lá acabara de passar pela fonte, vindo dos lados do Chalé Suisso, e seguia em direcção aos mictórios públicos, mesmo ao lado do Mini Golfe.
- Olá senhor Antunes, boa tarde.
Foi como se não tivessem falado para ele. Não ligou nenhuma.
- Senhor Antunes, ó senhor Antunes, boa tarde. Está bonzinho?

Teve de parar, já que a dona da voz e do chamamento estava especada à sua frente.
- Boa tarde menina … disse, com um ar vago.
- Sou a Cristina, a amiga da Joaninha.
- Pois claro que é disse, sorrindo.
E sem o deixar dizer mais fosse o que fosse, Cristina continuou:
- Já não o via há algum tempo, o senhor está com bom aspecto, sempre jovem. Tenho falado com a Joana, e ela tem-me dito que o senhor está muito bem, com menos dores, e que os netinhos, são três não é (?), estão lindos. Pena foi a jaquitita ter partido, mas a vida é assim e os animais vivem sempre menos que nós, não é (?). E a sua irmã, como vai(?), soube que já tem a família toda com ela e agora até tem um cãozito que vos dá água pela barba. E o gatinho (?), continua lindo (?), é tão bonito, nunca vi um gato assim, tão lindo.
Artur estava sem fala. A mulher não se calava e ele ainda não tinha tido oportunidade de lhe dizer que não se chamava Antunes. Só isso o incomodava. O resto estava bem, a Joana, a jaquitita e o gato e tudo o resto. Até lhe parecia que a conhecia. Melhor, tinha a certeza de que a conhecia, embora se não lembrasse do nome. Ela tinha dito que se chamava Cristina, mas ele não tinha a certeza de que fosse esse o nome de que se não lembrava. E ele não se chamava Antunes, Antunes é que não. Lopes, Lopes é que era o nome dele.
- ….. e então, nessa altura a Joaninha foi-se a ele e, o senhor Antunes havia de ter visto, com o cão a rosnar e a arreganhar os dentes, deu-lhe umas bofetadas que o puseram a ganir e a afastar-se do vosso gatinho. A Joana é de fibra, o senhor Antunes bem o sabe.
E lá estava ela com o Antunes para cima e para baixo, falava o já exaltado pensamento de Artur, e não se calava nem lhe dava tempo para a interromper e lhe dizer que estava tudo bem, mas o nome dele era Lopes, LOPES, ouviu?, dizia o pensamento, já aos berros.
- Bem já se vai fazendo tarde. Gostei de o ver senhor Antunes, dê saudades minhas à Joaninha, e diga-lhe que um dia destes eu lhe telefono para combinar um cafezinho ou um almoço. Dê cá dois beijinhos … Até qualquer dia.
- Até qualquer dia menina … boa tarde.
Artur não foi capaz de dizer mais nada. Estava tonto de a tentar ouvir e de lhe tentar dizer que o nome dele era Lopes, não era Antunes.
Recomeçou a caminhada. Cristina já lá ia, longe, a atravessar a rua, junto ao Twins. Dirigiu-se ao mictório, já que uma muito grande vontade de urinar lhe tinha aparecido, assim, do nada.
O raio do nome não lhe saía da cabeça, Antunes, como se atrevia ela a chamar-lhe isso, ele chamava-se Lopes, não parava de repetir entre dentes, Lopes, Lopes.
- Antunes … que raio de nome …, pensou já em voz alta.
De supetão a memória acordou, lembrou-se que Antunes era o nome de família de Joana.
Joana, com quem, semanas atrás, tinha casado, depois de mais de vinte anos de vida em comum … e …, lembrou-se …, na Conservatória, a Conservadora, que tinha exigido que uma das portas estivesse aberta, tinha perguntado se algum deles ia adoptar o nome do outro … e …oh diabo… ele disse que sim, que ia!
Artur Lopes, agora Artur Lopes Antunes, por força, e obra, e graça, das modernices da Lei, de pé, virado de frente para o mictório vertical, aliviava-se, sem dar conta de que uma enorme mancha se ia espalhando pelas calças.

(Lido pela primeira vez, em público, na sessão de O PROGRESSO DA FOZ , na 1ª Feira do Livro da Foz do Douro, no passado dia 27/07/2014)











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