Eu era muito jovem quando comecei a trabalhar.
Meu primeiro emprego foi como atendente numa Clínica de Olhos. Trabalhava durante o dia e estudava à noite. Naquela clínica aprendi grandes lições de vida que jamais me esquecerei.
Lembro-me do dia que chegou uma “madame” pra fazer uma consulta e como eu ouvira a enfermeira chamá-la de “Ivete”, achei que também deveria chamá-la assim.
Quando foi sua vez de entrar para a consulta eu disse:
- Pode entrar, Ivete.
O médico ouviu, olhou-me como se quisesse me fulminar, e num tom de voz seco, disse:
- Não diga “Ivete”, mas “Dona Ivete”. Você não está falando com uma pessoa de sua classe social. Saiba respeitar as diferenças.
Eu não sabia onde enfiar a cara e mal consegui me desculpar. Tive vontade de sair correndo, tamanha a humilhação que senti. Contei pra enfermeira e ela me disse:
- Bem feito. Eu disse pra ter a máxima educação com essas madames, mas não para chamá-las pelo nome.
- E como é que eu devia dizer então?
- Devia dizer assim: “É sua vez, madame. Entre, por favor.”
- Mas você a chamou só pelo nome.
- E daí? Quer se comparar comigo?
- Porque não? Você também é empregada.
- Mas de nível superior.
- Só se for na altura.
- Quem lhe deu liberdade de falar assim comigo?
- Ninguém. Estou falando em meu próprio nome.
- Pois então cale a boca que já esgotou minha paciência.
Dentro de mim havia uma Irene louca pra brigar e uma outra que me mandava calar. Contra a vontade, me calei.
Aquele dia aprendi a respeitar as “diferenças”.
Na Antologia Ponto & Vírgula, n.4
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