E nessas cidades, vilas e aldeias, nos seus cais,
praças e chafarizes — vi somente — escravos!
E à porta ou no interior dessas casas mal construídas
e nesses palácios sem elegância — escravos!
E no adro ou debaixo das naves dos templos — de
costas para as imagens sagradas, sem temor, como
sem respeito — escravos!
E nas jangadas mal tecidas — e nas canoas de um
só toro de madeira — escravos; — e por toda a parte
— escravos!!...
Por isto o estrangeiro que chega a algum porto do
vasto império — consulta de novo a sua derrota e
observa atentamente os astros — porque julga que
um vento inimigo o levou às costas d'África.
E conhece por fim que está no Brasil — na terra
da liberdade, na terra ataviada de primores e esclarecida
por um céu estrelado e magnífico!
Mas grande parte da sua população é escrava —
mas a sua riqueza consiste nos escravos — mas o
sorriso — o deleite do seu comerciante — do seu
agrícola — e o alimento de todos os seus habitantes
é comprado à custa do sangue do escravo!
E nos lábios do estrangeiro, que aporta ao Brasil,
desponta um sorriso irônico e despeitoso — e ele diz
consigo, que a terra — da escravidão — não pode
durar muito; porque ele é crente, e sabe que os
homens são feitos do mesmo barro — sujeitos às
mesmas dores e às mesmas necessidades.
Poema integrante da série Capítulo I.
In: DIAS, Gonçalves. Meditação. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1909. p.10-1
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