O campo de futebol dos garotos da Boavista, nos finais da década de 60 era um relvado puro, que a natureza oferecera. Não precisava de ser regado, a água da chuva, tinha os tónicos naturais para o manter em perfeitas condições. Os miúdos com as suas corridas constantes eram os melhores cortadores da relva, sempre bem pisada, e não lhe davam azo para que pudesse crescer. Mas, o que melhor caracterizava este campo, era o grande desnível entre as duas linhas laterais, uma ladeira original, onde a bola por inércia, muitas vezes deslizava com mais velocidade do que a desejada por quem a queria controlar. As quatro linhas que delimitavam o campo tinham como marcação, pedras que os miúdos trouxeram da antiga pedreira logo ali ao lado e as balizas constavam apenas de duas pedras maiores, sem postes ou barra horizontal.
Não eram necessários árbitros, relógios para contar o tempo, treinadores, massagistas, equipamentos, marcações ou redes nas balizas. Era tudo o que a casa dava, sem cerimônias mas com muita garra e determinação.
O Poulo, como era conhecido, ficava situado muito perto da linha do comboio, entre os bairros da Boavista e Santa Isabel. Sem ser um sitio de sonhos, proporcionava aos miúdos o direito de serem felizes, sem terem que exigir troféus para as suas glórias.
Os Jogos normalmente, eram do tipo mudar aos cinco e acabar aos dez podendo prolongar-de por tempo indefinido. Muitas vezes devido ao desnível do terreno, a bola ia parar junto á linha do comboio, o que motivava alguma espera até que o jogo pudesse recomeçar.
Geralmente existia sempre muita controvérsia para a validação de certos golos. Quando havia um remate, um pouco mais alto entre as duas pedras, os miúdos da equipa que sofria o possivel golo alegavam que a bola tinha passado por cima da barra imaginária. Muitas vezes, servia de desculpa a estatura do guarda redes, por não ter altura suficiente para chegar aquela bola. De facto, os guardas redes eram sempre os mais novos. Os mais velhos e batidos não queriam aquela posição. Para os mais novos estava ali uma oportunidade de ouro para participarem no jogo, em vez de correrem atras da bola, ladeira abaixo quando saía das quatro linhas
Outras vezes os argumentos surgiam, quando a bola duvidosamente passava a rasar o poste, também invisivel acima das pedras que definiam a baliza, e os da equipa oposta alegavam que tinha sido mesmo golo, porque a bola tinha batido no poste e entrado. Mas depois de umas ligeiras discussões lá se chegava a consenso, porque a bola afinal, teria batido no lado de fora do poste e saído.
E assim os miúdos, corriam, lutavam e mesmo a brincar, inpunham a si mesmos uma atitude ganhadora, ainda que não existisse qualquer troféu em disputa. O certo é que havia sempre um orgulho bairrista a preservar e a victória seria o melhor caminho para tal.
Mas no fundo, entre o perder e ganhar, a maior motivação, era saber que no dia seguinte ali estariam para mais um desafio, como se fosse o mais importante das suas vidas.
Podia chover, nevar ou fazer sol, mas estes guerreiros, quais miúdos dos Esteiros, nunca deixavam de estar presentes. Os Ginetos e os Gaitinhas do Soeiro, também acontederam por estas bandas, enquanto se construia o liceu e não só. Daí o espirito que os fazia sentir mais adultos do que eram na realidade.
Para os garotos de então, amigos da Previdência, Boavista de baixo e de cima , Bairro de Santa Isabel e de uma forma geral a todos os garotos de Bragança, porque em cada canto da cidade havia um Poulo, um obrigado por tornarem estas memórias possiveis.
Nota: O Poulo desapareceu quando se começaram a construir os acessos para o Liceu e a reurbanização do Bairro de Santa Isabel. Nenhuma entidade nos facilitou outro local para continuarmos a jogar a bola, mas semanas depois fomos descobrir outro Poulo, no lugar entre o Hospital e a actual Escola de Enfermagem. Por ironia do destino também numa grande Ladeira.
Aos miudos do bairro da Boavista nunca seria concedido um lugar para jogar a bola.
Depois da construção da Escola de Enfermagem, onde o segundo poulo nos seria retirado, começamos a jogar na cerca do liceu quando não havia aulas. Era um campo de asfalto com reluzentes marcações e balizas a sério com postes, barra horizontal e redes, que grande luxo! Apenas com um pequeno senão, com o carro da patrulha da policia, sempre a alta velocidade, a controlar as nossas OUSADIAS, com os cassetetes nas mãos. Nunca nos apanharam. Apesar de tudo nunca deixamos de os respeitar e de certa forma, também eles a nós. Imoralmente estavam a cumprir uma missão.
Eduardo Mesquita.
Comentários