Pessoas-de-bem para Instituições-de-bem- Diamantino Bártolo

 

O Estado, no seu conceito administrativo, compreende diversas Superintendências: Central, Regional e Local, com diferentes e especializados departamentos: Ministérios, Secretarias de Estado, Direções Gerais, Institutos, Forças Armadas, Forças Policiais, Tribunais, Repartições Públicas em geral, e tantos outros órgãos, com designações apropriadas, integrando uma hierarquia complexa e muito extensa,

Além disso, dispõe de todos os instrumentos/meios, infraestruturas, recursos humanos, financeiros e técnicos e um poder quase absoluto, posicionando-se em lugar privilegiado, de grande supremacia, face ao cidadão vulgar, o qual, envolvido que esteja em qualquer situação conflituosa com esse mesmo Estado, parte sempre em manifesta e injusta desvantagem, não lhe sendo garantidas, em tempo útil, as mesmas oportunidades de defesa.

Por exemplo: quantas vezes se prende o cidadão (apenas por suspeita e/ou indícios, alegadamente, consistentes); investiga-se o cidadão e só depois, e mesmo assim nem sempre, é que este tem a oportunidade de organizar a sua defesa, em liberdade? Deverá ser sempre assim?

Se no fim do conflito, nada se prova contra o cidadão, as indemnizações que lhe são devidas, (que jamais pagam o sofrimento, a humilhação e o fim de uma vida ativa, quer profissional, quer social) e que ainda têm de ser requeridas por ele, quando deveria ser iniciativa do próprio Estado assumir essa obrigação, sem mais delongas nem burocracias, são objeto de grandes atrasos, por força dos recursos e outras estratégias legais dilatórias.

Não se pretendendo generalizar a situação descrita, a verdade é que muitos são os casos que vêm a público, pelos diversos meios da comunicação social, e/ou pelos próprios cidadãos atingidos que, alguns, inocentemente, são apanhados por um sistema que não é nitidamente imparcial, que, por vezes, até usa de prepotência, paradoxalmente, também nos regimes democráticos.

O Estado, enquanto instituição nacional suprema, é servido por cidadãos que, no exercício das respetivas funções, cumprem ordens, executam a Lei e prestam contas aos seus superiores hierárquicos, e assim sucessivamente, numa cadeia hierárquica, que tem por limite a Lei Fundamental, isto é, o mais alto magistrado do Estado, também presta contas às instituições às quais, constitucionalmente, deve obediência, jurou fidelidade e, finalmente, à própria Lei.

O que por vezes se verifica é uma certa impreparação de um ou outro cidadão-funcionário, qualquer que seja a sua categoria e poder decisório, conjugada com uma grande insensibilidade para certas situações de manifesta injustiça para com o cidadão-contribuinte-utente, a que se alia uma evidente falta de solidariedade para com o cidadão que precisa de ser ajudado, pedagogicamente esclarecido, orientado e resolvido o seu problema com a celeridade, competência e justiça que se impõem.

Acresce, ainda, que um ou outro cidadão-funcionário, quem sabe se, quantas vezes se limita a uma análise restrita da Lei, interpretá-la no contexto da literalidade, e aplicá-la com objetivos punitivos, nada pedagógicos, quem sabe se com algum prazer, devido a eventuais quezílias anteriores com aquele cidadão-utente. A verificarem-se as circunstâncias descritas, estar-se-ia perante um cidadão-funcionário que, dificilmente, se poderá considerar uma pessoa-de-bem.

O cidadão-funcionário do Estado, enquanto pessoa-de-bem, para além dos seus conhecimentos e competências profissionais e cumprimento das suas obrigações ético-deontológicas, deve possuir outras qualificações, capacidades, atitudes e sentimentos, porque toda a situação que envolve o cidadão-contribuinte-utente de um serviço público, tem uma origem, causas que lhe estão associadas, uma explicação (verdadeira ou falsa, que deve ser rigorosamente averiguada), e um conjunto de circunstâncias, atenuantes e/ou agravantes.

O cidadão-funcionário não tem o direito de presumir que aquele cidadão-utente é, à partida, culpado doloso, um delinquente, um malfeitor e, mesmo que o seja, tem direito a provar que não houve intenção de cometer o ato que lhe é imputado, e muito menos ser qualificado de doloso. O princípio, segundo o qual: “até prova em contrário presume-se a inocência”, deve ser escrupulosamente respeitado.

O cidadão-funcionário, que se preza como sendo pessoa-de-bem, deve dar todas as oportunidades ao cidadão-utente, conduzir o processo com respeito, imparcialidade, solidariedade e consideração por aquele cidadão que, para além do mais, é uma pessoa humana com dignidade, porque se as situações e os papéis se inverterem, então, aquele cidadão-funcionário passa a cidadão-utente e este ao papel de cidadão-funcionário.

Certamente que o agora cidadão-utente, espera, exige, manifesta-se e até invoca direitos que, quando na qualidade de cidadão-funcionário, quantas vezes teria negado aos utentes da sua Repartição. Aqui reside, também, uma certa solidariedade institucional, e cívica, porém, deve ser revelada imparcialmente para com todos os cidadãos-contribuintes-utentes. Um traço comum, todavia, os une: é que ambos são cidadãos-contribuintes e pessoas-de-bem.

É fundamental selecionar, e admitir, pessoas-de-bem, para integrarem os quadros de pessoal das organizações públicas e privadas, dotadas, portanto, de capacidades académicas, técnicas e conhecimentos específicos, conjugados com faculdades e qualidades no domínio verdadeiramente humano, no sentido de serem capazes de se colocarem na posição do outro, desenvolverem uma pedagogia solucionadora dos problemas, preventiva de novas situações, e não uma postura punitiva, autista e arrogante.

Escolhidas, portanto, as pessoas certas para os lugares certos, que demonstrem, inequívoca e lealmente as virtualidades de pessoas-de-bem, estarão reunidas as condições para que se tenham instituições de bem, que estejam ao serviço dos utentes, consumidores e beneficiários dos seus serviços, onde se possam sentir em segurança, analisados com civismo, educação, de igual para igual, com lealdade, transparência de processos, pelos quais os problemas possam ser resolvidos e as faltas analisadas com humanismo, com solidariedade, compreensão e tolerância, onde sejam aplicadas todas as circunstâncias atenuantes, fazendo notar que também existem algumas agravantes (se a tanto houver lugar), para que o cidadão-utente não seja, à partida, olhado como um criminoso de alta perigosidade que, ainda assim, tem direitos, desde logo, o direito de se defender e de não ser humilhado, desrespeitado e condenado em praça pública.

O Estado deve caminhar para que todo e qualquer cidadão possa aceitá-lo como o “Paradigma de Pessoa Coletiva de Bem”, a partir do qual, toda e qualquer organização, pública, privada, cooperativa, unipessoal, associação e Instituições Privadas de Solidariedade Social, possam seguir-lhe o exemplo. Nesse sentido impõe-se uma permanente atualização de conceitos, de métodos, de objetivos e resultados compatíveis com este desejável paradigma.

Urge formar o cidadão em geral: para estes novos valores institucionais, relacionais e interpessoais, quando ao serviço de uma organização; proporcionar-lhe uma formação específica e também polivalente, ao longo da vida, imbuindo-o num espírito e cultura para os novos valores, para práticas coerentes com tais valores e objetivos da instituição, dos seus servidores e utentes.

Cabe aos atuais responsáveis, promover e/ou reforçar, de imediato, todas as iniciativas que conduzam ao reforço do paradigma de organizações de bem, obviamente, a começar naquelas que integram as Administrações Públicas do Estado, nestas se incluindo as autarquias locais.

O paradigma de um Estado Pessoa-de-bem passa, igualmente, pela solidariedade institucional entre as diferentes organizações e instituições, de tal forma que, o que é por um agente institucional implementado, qualquer que seja a sua categoria e poder decisório, terminadas que sejam as suas funções e mandato, deve ser assumido pelo seu substituto, para assim haver uma continuidade de ação, podendo, o novo titular daquele cargo, introduzir alterações se, entretanto, surgirem factos, ou oportunidades mais favoráveis, à instituição, aos seus trabalhadores e utentes, porém, não pode, nem deve, eximir-se ao cumprimento dos compromissos assumidos pelo seu antecessor, tomados no âmbito das suas funções, ao serviço da instituição, perante a sociedade civil, prestadores de serviços, outras instituições e organizações, obviamente desde que legítimos e legais.

As instituições públicas, enquanto tais, normalmente órgãos colegiais, são independentes das pessoas físicas que as dirigem, portanto, não podem ser manchadas, desrespeitadas, descredibilizadas pelo incumprimento de obrigações assumidas em seu nome, de contrário, quando mudam os corpos dirigentes, os novos elementos, recusariam todos os passivos contraídos pelos seus antecessores, avocariam os ativos e a anarquia tomaria conta do sistema.

O Estado, através das suas instituições, tem a oportunidade de reforçar a construção do “Paradigma de Pessoa Coletiva de Bem”, continuando as suas instituições a assumir os compromissos contraídos, independentemente das pessoas físicas, ideologias, partido, e/ou força política, a que pertencem as pessoas, bem como os projetos que em cada época eram considerados os melhores para a instituição, legal e democraticamente aprovados nas instâncias competentes.


 

Venade/Caminha – Portugal, 2020

Com o protesto da minha permanente GRATIDÃO

 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

 

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