A Taça de Chá- José de Almada Negreiros


O luar desmaiava mais ainda uma máscara caida nas esteiras bordadas. 
E os bambús ao vento e os crysanthemos nos jardins e as garças no tanque, 
gemiam com elle a advinharem-lhe o fim. 
Em róda tombávam-se adormecidos os idolos coloridos e os dragões alados. 
E a gueisha, procelana transparente como a casca de um ovo da Ibis, 
enrodilhou-se num labyrinto que nem os dragões dos deuses em dias de lagrymas. 
E os seus olhos rasgados, perolas de Nankim a desmaiar-se em agua, 
confundiam-se scintillantes no luzidio das procelanas.

Elle, num gesto ultimo, fechou-lhe os labios co'as pontas dos dedos, e disse a finar-se:
--Chorar não é remedio; só te peço que não me atraiçoes emquanto o meu corpo fôr quente. 
Deitou a cabeça nas esteiras e ficou. E Ella, num grito de garça, 
ergueu alto os braços a pedir o Ceu para Elle, e a saltitar foi pelos jardíns 
a sacudir as mãos, que todos os que passavam olharam para Ella.

Pela manhã vinham os visinhos em bicos dos pés espreitar por entre os bambús, 
e todos viram acocorada a gueisha abanando o morto com um leque de marfim.

A estampa do pires é igual.

Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1'

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