O mundo planetário, ao que se julga
saber, é só um, no entanto, as classificações e divisões
administrativas-territoriais são diversas e aqui, para efeitos de simplificação
deste trabalho, poder-se-á considerar dois mundos: o rural e o urbano, cada um
com as suas características próprias, com os seus valores, usos, tradições
culturais, porém, nenhum deles superior ou inferior, mas, inequívoca e
desejavelmente, complementares.
Se: o mundo citadino, cosmopolita e
elitista tem uma cultura própria, acesso mais facilitado ao conhecimento
intelectualizado, à ciência e tecnologias, o que não significa superioridade
axiológica; o mundo rural, paisagístico e, muitas vezes edílico e bucólico,
possui uma cultura de natureza antropológica, baseada nos costumes, no
genuinamente natural, não se excluindo, todavia, que também neste espaço,
existem dificuldades de vária ordem e comportamentos, nem sempre, previamente
construídos. Impera mais uma cultura da pessoa na sua autenticidade, o que não significa
que, dos territórios rurais, não surjam grandes especialistas em todas as áreas
científicas e tecnológicas.
Numa primeira análise, desapaixonada, e
tanto quanto possível imparcial, sabe-se que, os territórios rurais, em geral,
são mais carenciados, em diversas áreas da satisfação das necessidades básicas:
saúde, educação, formação, emprego, habitação, transportes, mas também se
reconhece que seria impossível, a todos os títulos, dotar os milhares de
freguesias, e centenas de vilas (no caso português), com todas as
infraestruturas urbanísticas, de resto, nem haveria público para justificar a
implementação da maioria dos serviços
existentes nas grandes cidades: Hospitais, Universidades, Centros de
Investigação, portos aeroportos, entre outros.
É preciso reconhecer, por outro lado,
que a vida rural é bem simples, bastante mais saudável em diversos aspetos:
praticamente, a poluição, nas suas diversas vertentes não existe; a
alimentação, em geral, é de excelente qualidade e isenta, na sua maioria, de quaisquer
componentes químicos; a segurança também é um elemento relativamente presente,
excetuando-se as situações, pontuais, de atos de violência contra idosos, e
outros extratos da população mais vulneráveis.
Obviamente que no espaço rural,
principalmente no interior do Portugal “profundo”, a desertificação das
pequenas localidades é um dado adquirido, justamente, porque as perspetivas de
futuro, para os jovens, no sentido de obtenção de estudos superiores,
especializações e respetivas colocações profissionais, praticamente não
existem, salvo uma ou outra aldeia, e/ou, vila onde se tenham ou venham a
instalar grandes empresas nacionais e/ou multinacionais.
Apesar das condições, muito pouco
atrativas para a fixação dos jovens e a continuação de muitos idosos, a verdade
é que não se deveria menosprezar estes territórios: muitos dos quais, únicos no
país; outros, classificados de patrimónios mundiais. O Estado/Governo, os
privados e quaisquer entidades, na medida do possível, poderiam, pelo menos,
fazer um esforço para recuperar e conservar todo este espaço rural, natural e
construído, nele instalando unidades turísticas, observatórios, escolas
profissionais direcionadas para o que de mais específico e único existe nesse
mesmo lugar.
As populações rurais, de facto, e de
direito, merecem toda a nossa consideração, apoio e respeito, porque em boa
verdade, são elas que mantêm viva uma riqueza paisagística natural,
praticamente impossível de se encontrar no espaço urbano. São essas gentes que:
transmitem os mais simples, quanto simbólicos, valores, usos, costumes e
tradições; a genuína cultura ao nível antropológico e etnográfico que é levada
aos quatro cantos do mundo, desde logo para junto dos nossos emigrantes; e,
além do mais, é esta cultura que alimenta a saudade pela família, pela sua
terra natal, de quem está na diáspora.
Numa outra dimensão, deveremos,
igualmente, considerar a vitalidade das nossas cidades, o que nelas se produz a
partir das mais prestigiadas Universidades, Institutos Superiores, Centros de
Investigação, Fundações, Academias e outras instituições do mais elevado nível
científico e tecnológico internacional, verdadeiros Centros de Poder,
influência e riqueza, ainda que tendo em conta uma imensa diversidade de
inter-relações, algumas destas, bem difíceis.
Em boa verdade: «Viver numa cidade é algo bastante complexo: um contexto multicultural,
com grandes desafios não fáceis de resolver. As grandes cidades recordam-nos a
riqueza escondida no nosso mundo: a variedade de culturas, tradições e
histórias. A variedade de línguas, roupas, comida. As grandes cidades tornam-se
polos que parecem apresentar a pluralidade das formas que nós, seres humanos,
encontrámos para responder ao sentido da vida nas circunstâncias em que nos
achávamos. Por sua vez, as grandes cidades escondem o rosto de muitos que
parecem não ter cidadania ou ser cidadãos de segunda categoria.» (PAPA
FRANCISCO, 2016:153).
No caso português, em boa verdade, é
preciso sermos realistas, e não tentar escamotear algumas situações que nos
devem fazer meditar, para não dizer, envergonhar. Acredita-se que nas grandes
metrópoles nacionais, ainda existe muita miséria: pessoas que vivem em piores
condições que muitos animais de estimação; que não têm comida, um teto para se
protegerem do frio e da chuva; dificuldades de acesso aos principais bens que
sustentam uma vida humana condigna.
Ser pragmático não tem, neste trabalho,
o mesmo significado que ser pessimista e, na verdade, todos temos de assumir as
realidades com as quais coabitamos, mas que em relação às mesmas, algumas
vezes: “metemos a cabeça na areia, qual
avestruz”, para que a degradação não nos magoe a vista e nos interpele,
acusadoramente, a consciência. Devemos, todos juntos, pugnar pela dignidade
daquelas pessoas: a quem a sorte, a complicada autogovernarão e a própria vida
não têm sido, particularmente, favoráveis; a quem a família, os amigos, colegas
e conhecidos, viraram, vergonhosa e cobardemente, as costas.
Algumas das nossas cidades são o
espelho, cruelmente fiel, dos maiores desequilíbrios sociais, das injustiças e
do ostracismo. É provável que: «Nas
grandes cidades, sob o mito do tráfego, sob o “ritmo das mudanças”, permanecem
silenciadas as vozes de tantos rostos que não têm “direito” à cidadania, não
têm direito a fazer parte da cidade – os estrangeiros, seus filhos (e não só)
que não conseguem a escolaridade, as pessoas privadas de assistência médica, os
sem-abrigo, os idosos sozinhos – postos à margem das nossas estradas, nos
nossos passeios num anonimato ensurdecedor. E entram a fazer parte de uma
paisagem urbana que lentamente se torna natural aos nossos olhos e,
especialmente, ao nosso coração.» (Ibid.:153-154).
Há, portanto, um trabalho hercúleo a
realizar para que, ainda que minimamente, seja reposta a dignidade de: milhões
de pessoas em todo o mundo; cerca de milhão e meio em Portugal, às quais falta
quase tudo e, do que é essencial à vida, necessitarão de apoio em diversas
vertentes do conforto humano: saúde, trabalho, habitação, educação/formação,
segurança, paz, felicidade, uma velhice confortável e respeitada.
Sem dúvida alguma que: «Muito podemos nós fazer pelo bem de quem é
mais pobre, de quem é frágil e de quem sofre, para favorecer a justiça,
promover a reconciliação, construir a paz. Mas, acima de tudo, devemos manter viva
no mundo a sede do absoluto, não permitindo que prevaleça uma visão
unidimensional da pessoa humana, segundo a qual o homem se reduz àquilo que
produz e ao que consome: esta é uma das insídias, mas perigosas para o nosso
tempo.» (Ibid.:157).
A complementaridade entre os territórios
rurais e urbanos deve, por isso mesmo, ser uma primeira medida a tomar, no
sentido de: por um lado, evitar que a desertificação se agrave pelas nossas
aldeias, dotando-as de meios necessários e suficientes à fixação de crianças,
jovens, adultos e idosos, nas melhores condições; por outro lado, incentivar a
mobilização dos centros urbanos para os espaços rurais, criando e desenvolvendo
os mecanismos técnico-jurídicos para o efeito.
Pensa-se que, a partir desta estratégia,
se reduzam muitas das atuais desigualdades, se promova e consolide a dignidade
da pessoa humana, designadamente, de quem, atualmente, não tem quaisquer
perspetivas de vida minimamente confortável.
Bibliografia.
PAPA
FRANCISCO (2016). Proteger a Criação. Reflexões sobre o Estado do Mundo. 1ª
Edição. Tradução Libreria Editrice Vaticana (texto) e Maria do Rosário de
Castro Pernas (Introdução e Cronologia), Amadora-Portugal:20/20 Nascente
Editora.
Venade/Caminha
– Portugal, 2021
Com o
protesto da minha permanente GRATIDÃO
Diamantino
Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente
do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
NALAP.ORG
http://nalap.org/Directoria.aspx
https://www.facebook.com/diamantino.bartolo.1
http://diamantinobartolo.blogspot.com
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