Territórios Culturais- Diamantino Bártolo

 

    O mundo planetário, ao que se julga saber, é só um, no entanto, as classificações e divisões administrativas-territoriais são diversas e aqui, para efeitos de simplificação deste trabalho, poder-se-á considerar dois mundos: o rural e o urbano, cada um com as suas características próprias, com os seus valores, usos, tradições culturais, porém, nenhum deles superior ou inferior, mas, inequívoca e desejavelmente, complementares.

    Se: o mundo citadino, cosmopolita e elitista tem uma cultura própria, acesso mais facilitado ao conhecimento intelectualizado, à ciência e tecnologias, o que não significa superioridade axiológica; o mundo rural, paisagístico e, muitas vezes edílico e bucólico, possui uma cultura de natureza antropológica, baseada nos costumes, no genuinamente natural, não se excluindo, todavia, que também neste espaço, existem dificuldades de vária ordem e comportamentos, nem sempre, previamente construídos. Impera mais uma cultura da pessoa na sua autenticidade, o que não significa que, dos territórios rurais, não surjam grandes especialistas em todas as áreas científicas e tecnológicas.

    Numa primeira análise, desapaixonada, e tanto quanto possível imparcial, sabe-se que, os territórios rurais, em geral, são mais carenciados, em diversas áreas da satisfação das necessidades básicas: saúde, educação, formação, emprego, habitação, transportes, mas também se reconhece que seria impossível, a todos os títulos, dotar os milhares de freguesias, e centenas de vilas (no caso português), com todas as infraestruturas urbanísticas, de resto, nem haveria público para justificar a implementação da maioria dos  serviços existentes nas grandes cidades: Hospitais, Universidades, Centros de Investigação, portos aeroportos, entre outros.

    É preciso reconhecer, por outro lado, que a vida rural é bem simples, bastante mais saudável em diversos aspetos: praticamente, a poluição, nas suas diversas vertentes não existe; a alimentação, em geral, é de excelente qualidade e isenta, na sua maioria, de quaisquer componentes químicos; a segurança também é um elemento relativamente presente, excetuando-se as situações, pontuais, de atos de violência contra idosos, e outros extratos da população mais vulneráveis.

    Obviamente que no espaço rural, principalmente no interior do Portugal “profundo”, a desertificação das pequenas localidades é um dado adquirido, justamente, porque as perspetivas de futuro, para os jovens, no sentido de obtenção de estudos superiores, especializações e respetivas colocações profissionais, praticamente não existem, salvo uma ou outra aldeia, e/ou, vila onde se tenham ou venham a instalar grandes empresas nacionais e/ou multinacionais.

    Apesar das condições, muito pouco atrativas para a fixação dos jovens e a continuação de muitos idosos, a verdade é que não se deveria menosprezar estes territórios: muitos dos quais, únicos no país; outros, classificados de patrimónios mundiais. O Estado/Governo, os privados e quaisquer entidades, na medida do possível, poderiam, pelo menos, fazer um esforço para recuperar e conservar todo este espaço rural, natural e construído, nele instalando unidades turísticas, observatórios, escolas profissionais direcionadas para o que de mais específico e único existe nesse mesmo lugar.

    As populações rurais, de facto, e de direito, merecem toda a nossa consideração, apoio e respeito, porque em boa verdade, são elas que mantêm viva uma riqueza paisagística natural, praticamente impossível de se encontrar no espaço urbano. São essas gentes que: transmitem os mais simples, quanto simbólicos, valores, usos, costumes e tradições; a genuína cultura ao nível antropológico e etnográfico que é levada aos quatro cantos do mundo, desde logo para junto dos nossos emigrantes; e, além do mais, é esta cultura que alimenta a saudade pela família, pela sua terra natal, de quem está na diáspora.

    Numa outra dimensão, deveremos, igualmente, considerar a vitalidade das nossas cidades, o que nelas se produz a partir das mais prestigiadas Universidades, Institutos Superiores, Centros de Investigação, Fundações, Academias e outras instituições do mais elevado nível científico e tecnológico internacional, verdadeiros Centros de Poder, influência e riqueza, ainda que tendo em conta uma imensa diversidade de inter-relações, algumas destas, bem difíceis.

    Em boa verdade: «Viver numa cidade é algo bastante complexo: um contexto multicultural, com grandes desafios não fáceis de resolver. As grandes cidades recordam-nos a riqueza escondida no nosso mundo: a variedade de culturas, tradições e histórias. A variedade de línguas, roupas, comida. As grandes cidades tornam-se polos que parecem apresentar a pluralidade das formas que nós, seres humanos, encontrámos para responder ao sentido da vida nas circunstâncias em que nos achávamos. Por sua vez, as grandes cidades escondem o rosto de muitos que parecem não ter cidadania ou ser cidadãos de segunda categoria.» (PAPA FRANCISCO, 2016:153).

    No caso português, em boa verdade, é preciso sermos realistas, e não tentar escamotear algumas situações que nos devem fazer meditar, para não dizer, envergonhar. Acredita-se que nas grandes metrópoles nacionais, ainda existe muita miséria: pessoas que vivem em piores condições que muitos animais de estimação; que não têm comida, um teto para se protegerem do frio e da chuva; dificuldades de acesso aos principais bens que sustentam uma vida humana condigna.

    Ser pragmático não tem, neste trabalho, o mesmo significado que ser pessimista e, na verdade, todos temos de assumir as realidades com as quais coabitamos, mas que em relação às mesmas, algumas vezes: “metemos a cabeça na areia, qual avestruz”, para que a degradação não nos magoe a vista e nos interpele, acusadoramente, a consciência. Devemos, todos juntos, pugnar pela dignidade daquelas pessoas: a quem a sorte, a complicada autogovernarão e a própria vida não têm sido, particularmente, favoráveis; a quem a família, os amigos, colegas e conhecidos, viraram, vergonhosa e cobardemente, as costas.

    Algumas das nossas cidades são o espelho, cruelmente fiel, dos maiores desequilíbrios sociais, das injustiças e do ostracismo. É provável que: «Nas grandes cidades, sob o mito do tráfego, sob o “ritmo das mudanças”, permanecem silenciadas as vozes de tantos rostos que não têm “direito” à cidadania, não têm direito a fazer parte da cidade – os estrangeiros, seus filhos (e não só) que não conseguem a escolaridade, as pessoas privadas de assistência médica, os sem-abrigo, os idosos sozinhos – postos à margem das nossas estradas, nos nossos passeios num anonimato ensurdecedor. E entram a fazer parte de uma paisagem urbana que lentamente se torna natural aos nossos olhos e, especialmente, ao nosso coração.» (Ibid.:153-154).

    Há, portanto, um trabalho hercúleo a realizar para que, ainda que minimamente, seja reposta a dignidade de: milhões de pessoas em todo o mundo; cerca de milhão e meio em Portugal, às quais falta quase tudo e, do que é essencial à vida, necessitarão de apoio em diversas vertentes do conforto humano: saúde, trabalho, habitação, educação/formação, segurança, paz, felicidade, uma velhice confortável e respeitada.

    Sem dúvida alguma que: «Muito podemos nós fazer pelo bem de quem é mais pobre, de quem é frágil e de quem sofre, para favorecer a justiça, promover a reconciliação, construir a paz. Mas, acima de tudo, devemos manter viva no mundo a sede do absoluto, não permitindo que prevaleça uma visão unidimensional da pessoa humana, segundo a qual o homem se reduz àquilo que produz e ao que consome: esta é uma das insídias, mas perigosas para o nosso tempo.» (Ibid.:157).

    A complementaridade entre os territórios rurais e urbanos deve, por isso mesmo, ser uma primeira medida a tomar, no sentido de: por um lado, evitar que a desertificação se agrave pelas nossas aldeias, dotando-as de meios necessários e suficientes à fixação de crianças, jovens, adultos e idosos, nas melhores condições; por outro lado, incentivar a mobilização dos centros urbanos para os espaços rurais, criando e desenvolvendo os mecanismos técnico-jurídicos para o efeito.

    Pensa-se que, a partir desta estratégia, se reduzam muitas das atuais desigualdades, se promova e consolide a dignidade da pessoa humana, designadamente, de quem, atualmente, não tem quaisquer perspetivas de vida minimamente confortável.

 

Bibliografia.

 

PAPA FRANCISCO (2016). Proteger a Criação. Reflexões sobre o Estado do Mundo. 1ª Edição. Tradução Libreria Editrice Vaticana (texto) e Maria do Rosário de Castro Pernas (Introdução e Cronologia), Amadora-Portugal:20/20 Nascente Editora.


Venade/Caminha – Portugal, 2021

Com o protesto da minha permanente GRATIDÃO

 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

 

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