Colónia de férias da Senhora da Serra- Eduardo Mesquita

     ...Já tinha ouvido falar aos meus irmãos mais velhos sobre a colónia de férias no alto da Senhora da Serra, organizada pelo pároco da Sé, o senhor cónego Luís Ruivo com a ajuda de algumas colaboradoras, que todos os anos, tinha lugar nas duas primeiras semanas do mês de agosto. Ficava nos meus sentidos aquele sabor ao pão barrado com manteiga logo de manhãzinha e o copo de leite quente para acompanhar. Eu não tinha provado nada ainda, mas pelo que ouvi falar aos meus irmãos eu já não consegui mudar de ideia.

    — Mãe! Este ano também quero ir.

    Duas semanas antes da partida andavam duas das colaboradoras pelas portas dos bairros mais humildes de sebenta na mão a anotar os nomes dos interessados e a minha mãe lá me inscreveu para que eu fosse também. Recordo perfeitamente que ela bordou as iniciais do meu nome nos cobertores e toalhas, assim como no saco de serapilheira, onde também iam as minhas roupas.

    No dia anterior à nossa partida uma camioneta transportava os sacos de todos os garotos para o alto da Senhora da Serra.

    Nunca mais me vou esquecer do meu entusiasmo porque no dia seguinte, às duas da tarde, seria a minha primeira vez a andar de carreira, junto com outros garotos incluindo o Leandro que já tinha ido no ano anterior. A viagem foi uma grande festa para mim, apesar de deixar a minha mãe a acenar–me na hora da partida. Foi interessante ver desde a carreira a automotora, cheia de gente na passagem de nível de S. Lourenço e mais á frente ouvir um dos mais velhos gritar,

    —Estamos a chegar à curva da chouriça!

    Penso ter sido o Xico Prior, mas não tenho bem a certeza. Na verdade, essa curva tinha mesmo o formato de uma chouriça e por tal assim ficou conhecida para sempre.

    Já bem perto do alto da serra fiquei intrigado com o tamanho das duas torres da Marconi que agora pareciam gigantes e tão diferentes do que estava habituado a vê–las do alto da Boavista na cidade.

    Dois pavilhões estavam à nossa espera, um para meninos e outro para meninas, com quartos acolhedores, onde dois colchões esperavam pelos nossos cobertores.

    Duas senhoras mais tarde vieram fazer as camas e no dia seguinte verifiquei que uma delas também era a minha catequista.

    Confesso que a primeira noite foi um pouco assustadora porque da cama podia ouvir lá fora o piar das corujas e a espaços e ao longe ouvir os uivos dos lobos.

    Mas tudo melhorou de manhã, quando pude saborear a tal manteiga barrada em trigo, em vez do centeio que comia em casa...que bom! E o leite? Era todos os dias! Em casa? Só nos dias de festa.

    O alto da Serra era para mim um mundo a descobrir. Carvalheiras rasteiras, onde eu ia apanhar os bulharacos que substituíam nos nossos jogos, os berlindes dos meninos da cidade de outra condição que não precisavam de ir para a serra.

    Por entre as carvalheiras e giestas, ia a descobrir as cigarras a cantar. Nunca tinha visto uma cigarra antes, assim como a Louva a Deus, e depois já perto das torres de comunicação podia usufruir da paisagem de todo aquele vale imenso onde os meus olhos se dirigiam sempre para a cidade. Ficava tão longe, parecia tão longe! Mas mesmo assim, já perto da noite, ao escurecer conseguia ver por entre tantas luzes amareladas da cidade, uma vermelha que alguém me disse que era o reclame da MABOR, que ficava num dos telhados de um edifício na Praça da Sé. Seria? Eu só tinha seis anos, mas parece que sim.

    Lembro que havia duas sessões de catequese, de manhã e à tarde, uma missa sempre dita pelo senhor Cónego Ruivo e a reza do Terço depois do jantar.

    À noite, depois do Terço, havia sempre uma confraternização, junto ao Cruzeiro mais ou menos situado a meio do santuário, junto ao receptor da RTP, em que o senhor Cónego fazia questão de estar sempre presente onde nos ensinava canções bem populares. Ainda sei de cor a letra de uma delas, por acaso um pouco melancólica, que tinha a ver com um rouxinol que adormeceu e que caiu ao rio e logo morreu...

    Nunca para mim os dias foram uma rotina, porque em todos os dias tinha algo de novo para descobrir, junto de novos amigos e de pessoas responsáveis que me trataram sempre muito bem e fizeram com que eu voltasse duas vezes mais, nos anos seguintes.

    Passados tantos anos eu sinto que não foi a religião ou a caridade que fez mover as pessoas responsáveis para tal iniciativa, mas sim dar a oportunidade a muitas crianças para se sentirem privilegiadas como outras eram que usufruíam de diferente condição social. Muitos desses foram-me dizendo durante a vida que quando em pequenos iam de férias para a praia e eu feliz com a oportunidade de lhes responder:

— Eu também fui para a Serra da Nogueira.

    E é essa oportunidade que me foi dada que eu quero agradecer a todos aqueles, que com esforço, dedicação e desinteressadamente, puderam proporcionar a tantas crianças, momentos que as marcaram tão positivamente como foi o meu caso para o resto da vida. Que Deus lhes pague, estejam onde estiverem.


Eduardo Mesquita

 

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