Memórias de um menino....- Eduardo Mesquita


                João, com nove anos de idade, caminha de regresso a casa depois de estar durante uma semana nos terrenos da horta, lá para os lados da veiga do Castro de Avelãs. Enquanto caminha recorda aqueles dias que lhe vão ficar para sempre na memória... Naquela semana o João teve a responsabilidade de ali ficar, noite e dia, sem abandonar o local, porque as batatas estavam mesmo a precisar da última rega antes de serem arrancadas. Assim a terra ficava mais amerosa para as ganchas entrarem quando da arranca, porque era feita à mão. 
            Como a água de regadio era muito pouca e o pai tinha que trabalhar na construção na cidade, João teve que ficar a aguardar a sua vez de regar, porque outros estavam também à espera. A presa, que ficava bem perto da ponte de Ariães, onde a agueira se encaminhava para o terreno das hortas, devido á seca, ia com pouca água, e os donos da presa tinham sempre a prioridade para regar, quando muito bem entendessem. Só quando não precisassem de regar é que autorizavam os rendeiros das hortas a utilizar a água.
O pai ia ter com ele à noite depois de deixar o trabalho na cidade. Dormiam no chão, ao ar livre, na maciez de um montão de restolho, que o pai tinha improvisado com um engaço e uma farrapeira a servir de lençol. Dois cobertores por cima faziam parte do aconchego daquelas noites de junho, sempre um pouco frescas de madrugada.
            Como era bom comtemplar as estrelas, ouvir o coaxar das rãs, o cantar dos grilos e o barulho do tremular das folhas dos choupos, ao ritmo de uma brisa campesina que por vezes se sentia. João sentia que estava a sonhar, mesmo antes de adormecer, mas acabava sempre por se render e adormecia na calma daquele momento, mesmo sem querer.
De manhã bem cedo o pai do João, regressava á cidade.
            Era tempo agora de regar os feijões. João era um garoto franzino, mas com vigor pegava no gravano e directamente do rio regava suco a suco os feijões, as alfaces, os tomates e alguns melões. Tinha o cuidado de não alagar muito as abóboras como o pai lhe tinha ensinado.
            Esta parte da horta ficava mesmo junto ao rio, e assim com a ajuda do gravano, regava as hortaliças sem ter que esperar pela água da presa.
Mas as batatas ficavam na ladeira, do outro lado e tinham que esperar mais uns dias. Pelo menos três rendeiros estavam á sua frente.
            Mas esse momento chegou. João pegou na enxada, conduziu a água, agueira abaixo e depois para os sucos das batatas que ficavam na perpendicular à agueira e em duas horas tinha o trabalho feito. Sete dias à espera, mas valera a pena! A vontade e a necessidade de fazer o que era preciso tinha sido a única lei que seguira.
            ... Agora regressa a casa com uma cesta com feijões metida por entre o cabo da enxada e esta ao ombro, como via fazer ao pai.
            Regressa feliz, ao passar pela cerâmica velha, depois tem que cortar num atalho e atravessar a linha do comboio junto á quinta dos Valentes e solta um leve sorriso ao lembrar o recado do pai, para ter cuidado ao atravessar a linha. Afinal já se sentia um homenzinho. Mais á frente, teria junto aos celeiros outra vez a linha do comboio no seu caminho, onde está uma placa que diz, Pare, Escute e Olhe. Depois das Alminhas virá o Alto da Boavista e uns braços abertos da mãe que o espera ansiosamente.
            Felizmente para mim que esta é uma história verdadeira, de um menino que sempre se sentiu menino na altura.

 



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