Sou Uma, Sou Todas- Aline de Oliveira Cláudio

     Diana era a caçula de três irmãos. O mais velho, casado há dois anos, adorava se gabar, sempre em tom de brincadeira, como não ajudava sua esposa, Isabela, nos afazeres domésticos. "Casar foi o melhor negócio que fiz. Comprei uma, levei três: mulher, empregada e contadora!"
     Isabela trabalhava o dia todo em um escritório de contabilidade. Mais uma das milhares de mulheres que fazem dupla jornada.
     O do meio, separado há um ano, possuía ódio mortal da ex-esposa, Elaine. Separaram-se porque Elaine havia descoberto a traição do marido, levando com ela o filho do casal, de seis meses.
     - VAGABUNDA! - desligou o celular. - Perguntou se eu posso ficar com o menino na quinta-feira. Tem uma palestra? Mentirosa!
     - Talvez tenha mesmo. - disse Diana.
     - Você é imbecil? Claro que não tem! Quer é mandar o menino para cá para ficar com macho.
     - Ele é seu filho. Faz três meses que você não o vê. Tal-vez seja uma coisa boa ficar com o menino.
     - Vaza, vai! Não estou a fim de lição de moral!
     - Isso que dá arrumar vagabunda! - gritou o pai, da sala.
     - Safada! - completou a mãe.
     Escutar sua família se referindo às mulheres, daquela maneira, era algo trivial. A maioria de seus colegas de sala, do curso de Engenharia, também partilhavam das mesmas piadas que seus irmãos. Certa vez, no intervalo entre aulas,  escutou um deles se gabando sobre quantas virgindades havia tirado. "Virgem é a melhor coisa. Quando eu casar, só se for com virgem! Pura!”
     Em uma sexta-feira de março, o irmão mais velho chegou em casa transtornado.
     - Fiz uma besteira, mãe, bati na Isabela. - disse com lá-grimas nos olhos.
     - Ah, meu filho! Por quê?
     - Eu tinha tomado umas antes de ir para casa. Quando cheguei, ela falou que ia sair para tomar sorvete com uma amiga. Disse que não havia feito janta, mas que tinha comprado uma pizza. Nossa, fiquei puto! Quando vi, já tinha ido para cima, apontando meu dedo na cara dela. Dei um tapa, foi sem pensar!
     - Ai, filho. Tem que ficar calmo.
     Ouvindo a conversa, ligou para a cunhada. 
     - Oi querida! Fiquei sabendo o que aconteceu. Você está bem? 
     - Seu irmão é um louco!
     - Começo a acreditar que sim. Você precisa de algo?
     - Não, Di. Obrigada por ligar!
     Há 23 anos  convivia com aqueles três homens. Eram as pessoas que ela mais conhecia e as que menos entendia. Não se sentia confortável em sua própria casa. 
     - Mãe, você não se cansa da maneira como o pai e os meninos falam das esposas, das mulheres em geral?
     - Como assim?
     - Sempre tem um “vagabunda” no meio ou qualquer outro xingamento. 
     - Não, amor, você não entendeu nada. Tem muita mulher tranqueira por aí. 
     - Homem também. Mas por que então eles não xingam os caras?
     - Que isso? Que papo é esse, filha? Não vai me falar que você é uma dessas “tal de feminista”!
     - Mãe...
     - Chega, vem me ajudar a fazer a janta.
     Enquanto ajudava a fazer o jantar, Diana foi a primeira pessoa que seu pai viu, ao abrir a porta.
     - Oi, minha princesa!
     - Oi pai! E o trabalho?
     - Ai filha, a Marcela, a vadia da minha chefe mosca-morta, disse que o projeto não foi aprovado.
     - Querido, vamos tentar não usar palavrões dentro de casa? - disse a mãe.
     - Ih, quem é você para me dizer o que eu posso ou não falar?
     - Pai... (não estava espantada com a resposta grosseira de seu pai à sua mãe. Era uma situação comum aquela) - tente não usar esse tipo de vocabulário para se dirigir a nós mulheres, por favor.
     - A nós mulheres? - debochou o irmão mais velho.
     - Minha princesa, não fale “a nós mulheres”. Não estou xingando você, nem sua mãe. Você é meu amor, sabe disso! É minha princesa e eu te amo! Você é minha Didi!
     - Sim, pai. Também te amo! Eu sou a Diana... também sou Elaine, Isabela, Dora, Marcela e tantas outras. Sou todas elas, sou uma só. Sou sua filha, sou a filha dos outros. Mereço respeito, pai! Elas merecem, pai! Posso ser a dita vadia de alguém, enquanto sou sua princesa. Posso levar, de um homem, um tapa na cara enquanto recebo um abraço seu. Posso ser a mulher estuprada e assassinada na manchete do jornal, na seção policial. Não me deixe ser, pai. Não propague o ódio às mulheres. Nos ajude a combater o feminicídio!
     - Diana, você está louca! - disse o pai visivelmente irritado.
     - Tô vendo que a Didi tá precisando de um p*, pai! - provocou o irmão do meio.


 “Quando um homem dá sua opinião, ele é um homem. Quando uma mulher dá a sua, ela é uma vadia” - Bette Davis, atriz.


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