A canastra do autor guardou, durante esses cinquenta anos falando sozinho, os seus manuscritos, rigorosamente inéditos.
Achava ele que eram excessivos os livros publicados e lembrava Ortega y Gasset, que dizia ser a maior caridade para esses tempos ominosos não publicar livros inúteis.
Os seus restritos leitores, do círculo de seus amigos mais íntimos, porém, passaram a insistir que desse à lume a sua obra, e ele acabou se curvando à argumentação de que o seu teimoso silêncio podia ser um pecado de orgulho, de que deveria responder perante Deus. Mas sua final aquiescência não se deu sem relutância.
Cinquenta Anos Falando Sozinho reúne oito livros de seus poemas: Os Óculos Corrosivos, As Ranhuras do Tempo, O Edifício Oco, O Pássaro Empalmado, Albergaria e Outras Pousadas, Becos, Ruas e Sacadas, O Bacharel de Cananeia e O Poeta Frugal.
Entre um livro e outro, circunscritos a temáticas diversas, há, porém um fio condutor que os liga, quer sejam eles uma busca de si e dos outros, quer se pautem pelo epigrama irônico, o protesto, naveguem pelo mar antigo das caravelas, ou passeiem pelas ruas e praças das cidadezinhas, alimentadas frugalmente pelo pão e o vinho sob a sombra dos bosques.
A sua poesia é, sobretudo, de questionamento como se pode ver em Leilão:
Quanto me dão?
Quanto me dão?
Por estes ouvidos
que escutaram
todos os ruídos...
(...)
Ou em Quem sou eu?
Todas as vezes em bato na porta
e me perguntam “quem é?”
respondo que sou eu.
e me abrem a porta,
certos de que sou eu
e não outro.
Entro, e logo me espanto
de que ninguém duvide
que de fato sou eu.
Sou a voz que respondeu
ou o ouvido que me escutou?
(...)
Ela gravita entre o eu, o nós, e a circunstancialidade, como já observou Gilberto de Mel-lo Kujawski. E também um mergulho no poço da memória (Remendos), de que sai para o para o presente e futuro, a olhar a Lua que boia na noite do tempo.
Busca ainda, atiçado pela dúvida e pela fé, a identidade nas muitas máscaras do homem e debruça-se diante do enigma sobre o enigma/no desvão da Biblioteca/viola a sepultura/do manuscrito há dez anos/perdido que ressurge com cara de múmia azteca. Por isso mesmo o poeta tem um olho cotidiano, que é o direito, certo, correto/que não vê de través/mas vai direto às pessoas, enquanto o esquerdo espia pelos cantos/pelos vãos, os interstícios/onde não é chamado.
Annibal absorveu a lição de Drummond, de Bandeira, de Murilo Mendes e de Fernando Pessoa. Ou por outra, seguiu uma linha que radica no tronco da poesia de sempre, entre o subjetivismo e o objetivismo, entre o lírico e a voz rouca que clama pelo universal e pelo infinito. E se, formalmente, usou a rima, bem como a métrica, distribuiu aquela, pelo meio dos versos ou onde caia melhor, sem ortodoxia, e quebrou a métrica pelo ritmo.
*Prof. Dr. Francisco A. Moura Duarte é presidente da FUNPEC/RP (Fundação de Pesquisas Científicas de Ribeirão Preto/SP.
Crônica do Prof. Dr. Francisco Moura Duarte, em destaque, na página 21 da 56a. Revista Ponto & Vírgula (julho/agosto/setembro/2021)
Editora: Irene Coimbra
Comentários