Não resisto, detenho-me diante da casa.
Concretada a caixa de correspondência: não recebiam cartas, contas ou cartões os moradores que nos sucederam? Perturbam-me os grandes tipos do aviso (VENDE-SE), o rumor de vozes na sala. Então, pode ser negociado, à luz do dia, este endereço de raízes, este santuário de minhas sombras? Acaso terei eu sido, sob algum aspecto, menos proprietário deste imóvel do que outros compradores cujos nomes, também eivados de fungos, seguiram por um breve instante em meio à enfadonha composição das escrituras? Escrituras, quem diria!
Subo os três (quatro, quem sabe?) degraus da varanda, vejo as vozes na sala. Olhos de atravessar a alma alheia, por sua vez denotando um grosseiro interesse mesmo nos clientes potenciais, o agente imobiliário avalia minha presença com uma ruga de hostilidade, não me ocorre por quê. O interessado, se é que se deva chamá-lo assim, num terno agourento e fora de moda, tem os olhos do filho que o acompanha, mais injetados talvez, o que as olheiras destacam. O rapaz, a boca uma linha num falso sorriso contínuo, nada diz.
“Não que me interesse comprá-la”, explico. “Morei aqui há muitos anos, sabem? Cresci aqui, mais tarde me perdi. Para mim, se os senhores entendem, esta casa não pode ser vendida, comprada, sequer mensurada em qualquer moeda. Custa a um tempo o ouro do mundo e um último grão de areia. Vale a face do universo. E não paga uma brisa.”
Eu, um insano. Assim me consideram, sei disso. Não creem em nada do que digo. Enquanto percorrem os cômodos vazios, conto-lhes do que uma vez sucedeu, do que monstruosamente se engendrou pela mão mais pesada do destino e, passando como legiões afoitas por estas mesmas paredes, tirou o mundo de sob meus pés, arruinou-me a inocência, pôs fim aos meus singelos grandes sonhos de criança.
O agente (e os outros o seguem, ignorando também minha incômoda presença) prossegue em seu trabalho. Menciona a idade das estruturas, as vigas substituídas, a trama hidráulica completamente recuperada, as reformas subsequentes e outras mansas mentiras que finjo não ouvir. Revejo as salas, as manhãs, os quartos e as noites. O pequeno cômodo onde, entardecendo, minha mãe se alongava como uma sombra a coser. Tardes de delicados objetos, caixas de costura do que não mais se remenda, arcas minúsculas guardando surdas turbulências e segredos que, desgraçadamente, só me foram dados descobrir tarde demais.
Retomo, por alguns instantes, esses anos todos, impregnados de minhas sensações, de minha incontrolável curiosidade, meu desespero por não poder compreendê-los enquanto se iam, os anos passados, eu digo, enquanto se iam, enquanto passavam e se iam, calma, está se repetindo, calma, meu agonizante apego à vida e a tudo o que desde sempre me encantava enquanto ainda me pergunto secretamente: o que foi isso?
Tento abrir a porta de meu quarto, onde uma vez dividimos, minha irmã e eu, o sono infinito que nos rendiam os contos de fadas, cabendo a nosso mano caçula o berço mal reformado e disforme que nos havia servido a todos.
“O que houve com esta porta? Por que não abre?”
O agente imobiliário volta-se incomodado, irritado com minha atitude.
“Foi cimentada por dentro”, ele explica, no limite da cordialidade e da tolerância. “Não se passa mais por aí.”
Sim, como a caixa de correspondência, cuja garganta ainda guarda cartas com meu nome, eu sei.
“Preciso abrir esta porta. Ajudem-me. Preciso mostrar-lhes meu quarto por dentro. Posso provar que não estou mentindo.”
Eles não se movem. Trocam olhares. Nenhum deles precisa saber de meu quarto e de meus tormentos, mas não importa: eu quero que saibam assim mesmo. Ponho a porta abaixo, entre lascas de reboco. Uma poeira branca, fina como gesso, torna o ar leitoso e logo se dissipa, revelando os quadros nas paredes, os móveis em sua antiga e eterna disposição.
“Venham. Não tenham medo.”
Abro a primeira grande gaveta da cômoda e encontro, entusiasmado, a prova de que não estou louco: cinzentos, estirados lado a lado, estão ali os corpos de meus pais.
“Vejam, senhores. Vejam os senhores mesmos. Aposto que, na cadeira da varanda, minha avó ainda se balança para sempre.”
Peço que me ajudem a afastar o armário. Na base das paredes, junto ao vértice que as une e separa, diviso, com estranho contentamento, e como se reencontrasse de súbito um demônio, a prova irrefutável da tragédia.
“Ainda estão aqui!”, digo-lhes, excitado. “Ainda estão aqui as marcas da desgraça! Vejam, vejam os senhores mesmos!”
Conto-lhes o que ocorreu. Os homens, agora visivelmente transtornados, tentam em vão disfarçar seu espanto e seu constrangimento.
“E olhem, olhem atrás da porta: os laços que enfeitavam minha irmã – que seria talvez uma princesa, no mínimo uma mulher, se ela ao menos... E a coleção de pequenos escaravelhos de meu irmão. Sem dúvida, um fim violento para uma criança tão delicada. Quem, eu? Ora, não. Era apenas o filho mais velho. O que nada tinha a dizer sobre si mesmo.”
O agente ingere a aspirina que acaba de tirar furtivamente do bolso, sem que os outros percebam.
“Ainda falta algo. Quero que os senhores todos vejam. Quero que saibam.”
O homem de olhos injetados mantém-se inerte, como se uma gangrena o houvesse cristalizado.
“Vejam, senhores. Aqui estão. Aqui estão, vejam. Vejam os senhores mesmos: os sapatinhos que eu deixava sob a lua, na noite prometida do Natal.”
Seu filho tem os lábios e o rosto fora de controle. Parece querer agarrar-se ao pai, mas tem vergonha de chorar por socorro.
Da coletânea Lisette Maris em seu endereço de inverno
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