Baile de formatura de um amigo, o Nivaldo Capretz. A Marina Lot, de nossa turma, viera com uma convidada, conterrânea de sua pequena cidade distante. Nós nos conhecemos, conversamos, dançamos juntos, nos atraímos. Ela era discreta, bem-educada, sorria pouco. (Seu nome está protegido.) Queixo pequeno, rosto triangular. Morena clara, cabelos negros, encaracolados, cheios, cobrindo a testa e os ombros, à moda de nossa juventude. Um vestido bege ou salmão (nunca tenho certeza dos nomes dessas cores), também sóbrio, até os joelhos, sem sinais claros de sensualidade.
As horas passaram por nós, rolando sobre a música e os ruídos humanos. Ofereci à estrangeira levá-la a sua casa, que até o dia seguinte seria a república da Marina – ela estava com a Marina, não tinha as chaves, mas não, não me importavam detalhes assim, isso não era calculado enquanto acontecia. No fundo, o que eu não queria era deixá-la. Pensava em beijá-la em algum momento, e não sabia como. Talvez não acontecesse. Mas já era muito agradável tê-la por perto, estar com ela. Eu pensava na noite lá fora e me esforçava por conter meus sonhos de adolescente tardio. Minha ansiedade masculina me denunciava. Tentava disfarçar o desejo que crescia em meu sangue, queria afastá-lo de mim. Queria que ela soubesse que eu podia ser o que quisesse ser, um homem determinado e consciente. Entre uma e outra palavra, entendi que era virgem. E por que não seria? Não importa a cidade. Não importa nada disso. Eu próprio havia perdido minha virgindade havia pouco tempo, de maneira constrangedora, com uma mulher mais experiente. Então, eu lhe fiz uma proposta. E uma promessa. Ela concordou.
Era tarde dessa noite, uma noite calma. Por algum motivo, uma noite calma. Percorríamos a cidade deserta em meu Chevette de pintura metálica, do qual eu me orgulhava secretamente, por ser meu primeiro carro, comprado com meu próprio dinheiro. No caminho, ela disse, com sua voz bonita, que era como se me conhecesse há muito tempo. Eu sentia o mesmo. Coisas que nos ocorrem em noites assim, mágicas.
No motel, relaxamos e deixamos para trás todos os ruídos de um passado mínimo, como também as canções que nos aproximaram nas últimas horas, nos minutos que há pouco estavam ali, ao nosso redor, antes dessa última porta definindo o tempo.
Tirei os óculos, não me importava mais ser míope – que ela também parecia não se importar com isso. Continuamos conversando, convenientes e cautelosos, como já vínhamos fazendo, agora sentados na cama, mais ou menos inclinados, mais ou menos improvisados. Então, um beijo lento, tímido. Sem avanços. Próprio a dois estranhos em um acordo. Dois estranhos em justa sintonia. (Era uma vez uma princesa, de um reino distante...) Beijei seu pescoço, seu ombro. Um animal sedento dava sinais de assumir o controle. Mas ela delicadamente me lembrou do que eu havia prometido.
Era tarde dessa noite, dessa noite na penumbra – uma luz macia, vinda de um recorte junto à entrada, cuidava de nossos gestos. Minha parceira viajara durante o dia, estava exausta. Tirou os sapatos, deitou-se de lado. Seus cabelos quase cobriam todo o travesseiro baixo. Logo ela adormeceu. Eu também estava cansado. Tirei meus sapatos, deitei-me ao lado dela. Acariciei sua testa, sua fronte, um pouco de seus cabelos, seu queixo... – foi só assim que eu a toquei.
Percebi, emergindo de um sono breve e profundo, que estava amanhecendo. Eu retornava de uma noite de sonho. Vivia ainda um sonho estendido. O silêncio no motel era o de um reino adormecido. Dava para ouvir um trem, muito longe. Ela despertou, me fez um carinho. Foi ao banheiro, se arrumar. Ouvi o som de seu xixi. Fechei os olhos, feliz com essa impressão infantil de intimidade. Trocamos outro beijo, firme e carinhoso, abraçados ante a porta aberta. Ela me agradeceu por tudo. E eu lhe agradeci por nada – que esse nada me faria grato a ela por toda a vida.
Deixamos o motel, percorrendo a cidade ainda quieta, querendo ser manhã. Eu a deixei na frente da república da Marina – uma república modesta para abrigar uma princesa distinta.
Seu nome está protegido, ela toda está protegida em mim. Minha memória volta a ela e a uma canção que havíamos compartilhado no baile, com a delicadeza de seu corpo tocando o meu enquanto dançávamos: “We’re all alone”, cantada por Rita Coolidge.
... por algum tempo, estes versos soaram fortes em mim: “Let it out. Let it all begin.”...
Não houve sexo. Ela confiou em mim. Eu a respeitei. Foi uma noite de amor.
Do romance “Projeto esvanecendo-se”
Comentários