Um dia, eu era pequena, e me ensinaram que a medida do homem é o amor – e eu acreditei...
Um dia, eu era pequena, e me ensinaram que o limite da minha liberdade era a liberdade do meu irmão – e eu acreditei...
Um dia, eu fui crescendo, e me falaram que “amigo é coisa para se guardar do lado esquerdo do peito, dentro do coração” – e eu acreditei...
Um dia, eu ia vivendo, e me ensinaram a semear a paz entre a discórdia, a compreensão nos desaventos, a acender uma luz na escuridão, a confortar os que sofrem, a espalhar alegria nos desalentos – e eu acreditei...
Um dia, já mulher, jurei e ouvi juras de amor eterno, de lealdade, de fidelidade “na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, na pobreza e na riqueza” – e eu acreditei...
Um dia, eu descobri o que não me ensinaram na vida – e eu me assustei...
Descobri os sentimentos pequenos da cobiça e da inveja; a corrida desenfreada do homem pelo seu próprio prazer; a cobiça dos que viviam em busca do poder, tropeçando nos irmãos, usados como escada, e afastados, quando empecilhos...
Descobri que a lealdade era quimera; que a honestidade fora banida para bem longe dos projetos individuais; que a justiça do homem era cega; que a paz era somente uma pomba, ou uma sombra, que ressurgia, cada vez mais frágil, nos tempos de Natal...
Hoje, sinto no peito a dor de uma grande decepção... Decepção dos que se apercebem perplexos, diante de um mundo inóspito e desconhecido. Decepção dos que já não ousam mais falar em valores e crenças, em sonhos e ideais, por estarem perdidos entre as aprendizagens da infância e as duras lições que a vida ensinou...
Hoje, sinto-me como o poeta: “chegado aqui, onde hoje estou, conheço / que sou diverso no que informe estou / no meu próprio caminho me atravesso / não conheço quem fui no que hoje sou ...” (Fernando Pessoa) *
Malu Morais
Novembro 2019
*Pessoa, Fernando. Hoje que a tarde é calma e o céu tranquilo. Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995
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