AUTO RETRATO- Teresa Duarte Reis

 Nasci como o cantar da água na ribeira
E descobri segredos nas grandes arcas
De onde tirado o cereal
Se escondem mistérios de outras eras
Se amontoam restos do passado
Na saia com algibeira
Ou nas argolas do sapato.

Nasci como o chiar da mó no moinho
Ouvi o bater das peneiras
Limpando a farinha
Comi o pão quente e macio
A cheirar a lenha
E vi a moura encantada
Na fonte das termas.

Nasci como o crepitar do lume ao serão
E aprendi coisas belas e mágicas
Nos contos do passado
Construí histórias a sonhar
Na dobadoura enredada
Dos novelos por fiar
Da minha vida por tecer.

Dormia com as minhas manas
Naquelas águas-furtadas
Cheias de mistérios da avó
Que nos pareciam reais
E no sobrado os segredos
Descobertos nas arrumações
Das primaveris festas pascais.

Cresci na casa grande
De quartos plenos de crianças
Sempre correndo,
Se escondendo
Em qualquer alçapão
À procura do mistério
Na busca da magia.

Cresci com as histórias das avozinhas
Que muito nos ensinavam
Contadas ao serão
Ou junto à masseira do pão
Era como se a vida
Nascesse naquele açude
De merugem para o almoço.

E cresci como os sonhos
Debaixo da almofada
Onde os dentes desdentados
Brilhavam como tesouro
E alimentavam a imaginação
Da cabeça de criança
Dum futuro por fadar.

E, na “Escola do Banho”
Na estrada das árvores
À beira de grutas escondidas do tempo
Em romances ofuscos
Dos namoros envergonhados
Cresci para a vida
Nos sóis de cada novembro longínquo.

Conquistei verdades descobertas
Na pasta da Escola
E partilhei saberes conquistados
Nos livros e nos amigos
Nos mestres e nos doutores
No Colégio, no Liceu
Onde a vida em mim cresceu.

De namoros nem por isso
O tempo era de fazer
De fiar e de tecer
Outras coisas aprender
Semear e de colher
De bordar e rendilhar
Para tudo partilhar.

E sinto-me pequenina
Vivendo nas Almoínhas
À espera das avozinhas
À vinda da Missa do Galo
O Natal, doce regalo
Dos sonhos da minha infância
Com cheirinho a canela.

E venci por ser vencida
Vivi por ter vivido
Sofri por ter sofrido
Encontrei por me encontrar
E na poesia me escondo
Por medo de me perder
E mais feliz por viver!

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