As sociedades vivem organizadas em grupos familiares, religiosos, políticos, profissionais, institucionais, empresariais, organismos públicos e privados, entre muitos outros, em função dos objetivos pretendidos pelo indivíduo ou pelo grupo que, não tendo condições mínimas para viver isolado, se associa, e participa, ao longo de toda uma vida, com mais ou menos capacidades, dedicação, competências e responsabilidades. Os papéis e correlativos estatutos são diversos e, eventualmente, inúmeros durante uma existência que se prevê cada vez mais prolongada, segundo as últimas estimativas para a “esperança de vida”.
Desempenhar todas as tarefas a que o cidadão-pessoa é chamado, no contexto da sociedade em que se integra, é um dever que não pode recusar cumprir. Exercer a sua atividade profissional com escrupulosa observância das regras deontológicas, é o mínimo que se lhe pode e deve exigir.
Princípios, valores, regras e boas-práticas, pelos quais todo e qualquer trabalhador deve pautar a sua intervenção profissional, constituem os pilares do bom funcionamento das instituições públicas e privadas, independentemente de beneficiarem, ou não, por alguma forma legal, de apoios do Estado que, nesta circunstância, representará os contribuintes, o que implica serviços humanizados e de qualidade.
Aos trabalhadores pede-se-lhes que desenvolvam o esforço necessário e suficiente, para interiorizarem e praticarem os normativos da Deontologia, isto é, de uma ética profissional ao serviço da comunidade em geral, e dos colegas de trabalho em particular, considerando-se que: «A ética é uma matéria de grande importância prática, além do interesse teórico, pois estamos interessados não apenas em determinar a natureza do bem mas também a maneira de nos tornarmos boas pessoas. Por esse motivo, é necessário investigar os problemas das acções certas e erradas, e da conduta adequada.» (ARISTÓTELES, Livro II, 1966:36).
O dever de participar no desenvolvimento equilibrado e igualitário da sociedade, naturalmente, é extensível a todos os cidadãos, independentemente da sua condição estatutária. A obrigação de cada um dar o seu melhor, na organização onde exerce uma determinada atividade, é uma condição indispensável ao progresso material e moral da sociedade. Respeitar os interesses dos concidadãos, quando são legítimos, justos e legais, é um dever que terá de estar bem interiorizado e ser praticado automaticamente, qualquer que seja a situação do cidadão-utente de um qualquer serviço público e/ou privado.
É inaceitável que em pleno século XXI, que comporta, já no final da sua segunda década, avanços científicos e tecnológicos nunca antes verificados, continuem, porém, a existir autênticos “fossos abissais” entre Pessoas-Humanas que, era suposto, beneficiarem de igual dignidade e condições de vida, tal como todos aqueles que já possuem uma vida boa.
Esta não é, certamente, a sociedade que o homem é capaz de construir, mas não quer, ou não pode e, por isso mesmo: «A sociedade acumula crises de moral, de valores, de adaptação às novas realidades do mundo, situação esta em parte provocada, em parte consentida pelos poderes governamentais, de quem espera (porque delegou a eles e os sustenta), mais do que deve, a solução de todos os problemas e a melhoria da sua condição de vida.» (RESENDE, 2000:172).
A formação deontológica, a todos os níveis da intervenção humana na sociedade, que o próprio homem inventou, organiza, fiscaliza e sanciona, é um imperativo universal que, entretanto, deve ser assumido, rapidamente, a começar no quadro das pequenas comunidades, à cabeça das quais se colocam as famílias em geral, e o indivíduo, em particular, com especial relevância para todo aquele que tem responsabilidades de decisão, execução, controle e verificação. O trabalhador, seja funcionário público, empregado de instituição privada, político, empresário, religioso, liberal ou em qualquer outra situação, tem o dever indeclinável de prestar o melhor serviço à sociedade.
Trata-se de aplicar a regra deontológica da máxima competência para o máximo benefício dos consumidores de serviços e bens. Na verdade, integrar na formação profissional, científica e técnica, módulos de Deontologia, será a estratégia a adotar, porque: «Toda a empresa que no futuro queira ter bons profissionais não pode prescindir do desenvolvimento ético dos mesmos. Um profissional tecnicamente muito preparado pode ser perigosíssimo se o seu nível ético, por desconhecimento ou má-fé, é reduzido.» (MOREIRA, 1999:68-69).
Invoca-se, cada vez com mais frequência, como causa de todos os males da sociedade, a crise de valores, para os mais pessimistas ou a alteração de valores, para os mais moderados, ou, ainda, a inadequação de alguns valores para os mais otimistas. Contudo, nas perspetivas: realista, pragmática e objetiva, o problema talvez possa colocar-se ao nível da ainda pouco desenvolvida formação deontológica, para a esmagadora maioria das profissões e atividades económicas.
A preparação ética e a sua aplicação a todas as atividades profissionais, sociais, culturais, religiosas, políticas, militares e quaisquer outras, que direta ou indiretamente influenciam as condições de vida das comunidades, revela-se de acutilante pertinência, agora já no âmbito público, considerando que: o privado está cada vez mais sujeito ao avanço do que o público, à globalização das principais atividades humanas e, portanto, justifica-se que promova, também neste domínio, a formação cuidada dos seus colaboradores, inclusivamente, como forma de fazer face à concorrência.
Por isso, pode-se concordar com uma nova postura deontológica, segundo a qual: «A ética, que passou progressivamente a ser encarada como uma questão do foro privado ao longo da modernidade, tem, na pós-modernidade, de ser novamente considerada – em prol do bem-estar dos indivíduos e da sobrevivência da humanidade – como um assunto de interesse público e de primeira ordem. Para tanto, não basta envolver diversos especialistas em ética na resolução de casos específicos ao nível das diferentes instituições sociais. Não, perante a enorme complexidade dos problemas e a especialização das ciências e da técnica, a própria ética carece da institucionalização. (…) os grandes teóricos europeus da economia e da sociedade – desde Aristóteles e Platão, passando por S. Tomás de Aquino, até ao filósofo da moral e fundador da economia moderna, Adam Smith – analisaram as questões económicas e políticas num contexto ético global.» (KUNG, 1990:68-69).
A sociedade contemporânea vem sendo assoberbada com uma crescente invasão de tecnologias, máquinas e equipamentos, de tal forma que há cada vez mais serviços desumanizados, despersonalizados e atípicos, aos quais as pessoas se dirigem, são atendidas por sistemas informático-robóticos, que apenas obedecem a uma programação prévia e rigorosa.
E se o utente não sabe, minimamente, operar com tais máquinas, provavelmente, perde a eficácia que ela lhe poderia proporcionar e, inclusivamente, poderá ter outro tipo de prejuízos, como verbas não devolvidas, documentos que ficaram apreendidos, problemas que, entretanto, se criam com as situações resultantes da impreparação para lidar com estes “novos funcionários robótico-falantes”, que desconhecem as mais elementares regras de ética, cortesia, respeito e boas-práticas, para já não se discutir a imaterialidade das operações e a total ausência de qualquer tipo de princípios, valores e sentimentos humanos.
A insensibilidade e indiferença de algumas organizações pelos seus clientes/utentes, provavelmente por razões orçamentais, redução de custos e maior competitividade, têm conduzido à desumanização de muitos serviços públicos e privados. O relacionamento direto, presencial, olhos-nos-olhos entre indivíduos de uma mesma espécie animal, com estatuto superior a quaisquer outros seres, implica comportamentos compatíveis com tal dignidade. O relacionamento técnico com as máquinas não tem qualquer semelhança, nem poderia ter, com as relações humanas entre pessoas com idêntica dignidade.
Nesta perspetiva, e sem prejuízo do reconhecimento da utilidade que as máquinas possuem, aliás, sem as quais hoje a humanidade não teria condições para continuar a progredir e usufruir de serviços vitais, desde logo, para a saúde, é igualmente decisivo para a dignidade da pessoa humana que, em quaisquer serviços, públicos e/ou privados, haja sempre uma pessoa que receba os cidadãos/utentes e, de forma verdadeiramente humanizada, lhes resolva os problemas e ajude a melhorar certas situações pessoais, familiares, de grupo ou da comunidade, adotando sempre uma postura compreensiva, tolerante e solidária.
Em boa verdade: «Relacionarmo-nos com os outros de um modo compassivo constitui um desafio. Na realidade, comunicarmos ao coração e estarmos disponíveis para os outros – o nosso filho, o cônjuge, o familiar, o cliente, o paciente ou a mulher sem-abrigo que encontramos na rua – significa não nos fecharmos para essas pessoas, o que implica em primeiro lugar, não nos fecharmos para nós próprios.» (CHODRON, 2007:105).
O comportamento compassivo poderá, portanto, ser uma excelente medida a tomar pelos responsáveis das organizações públicas, privadas e de solidariedade, no sentido de os respetivos serviços que dirigem melhorarem e consolidarem um atendimento inequivocamente humanizado, justamente, recorrendo ao apoio técnico, científico e todo o instrumental tecnológico, que habitualmente lhes está associado.
Bibliografia
ARISTÓTELES, (s.d.) Ética
Nicomaqueia, in: MILCH, Roberto, (1966). Aristóteles Ética Nicomaqueia. Tradução, Clarisse Tavares. Mem
Martins: Publicações Europa-América
ARMSTRONG, Michael (2005). Como
ser Ainda Melhor Gestor. Guia completo de técnicas e competências essenciais.
Tradução, Geraldine Correia e Raquel Santos. Lisboa: Actual Editora
BÁRTOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2002) Silvestre Pinheiro Ferreira: Paladino dos Direitos Humanos no Espaço
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(Não publicada)
BÁRTOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2008) Educação para a
Cidadania Luso-Brasileira: Um Projecto de Formação ao Longo da Vida. Tese de
Doutoramento, em fase final para apreciação por uma Universidade Portuguesa ou
Brasileira. (Não publicada)
BÁRTOLO,
Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2008). “Comunidade Humana de Valores”
site www.caminha2000.com in “Jornal Digital “Caminha2000 – link Tribuna”,
N. 381 Semana de 15/21 Mar.08;
BÁRTOLO,
Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2008). “Democracia e Poder Autárquico”
site www.caminha2000.com in “Jornal Digital “Caminha2000 – link Tribuna”,
N. 382 Semana de 22/28 Mar.08
BÁRTOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2008). “Ética da
Responsabilidade Política” site
www.caminha2000.com in “Jornal Digital “Caminha2000 – link Tribuna”,
N. 385 Semana de 12/18 Abr.08
KUNG, Hans, (1990). Projecto para uma Ética Mundial, Tradução,
Maria Luísa Cabaços Meliço, Lisboa: Instituto Piaget.
RESENDE, Enio, (2000). O
Livro das Competências. Desenvolvimento das Competências: A melhor Autoajuda
para Pessoas, Organizações e Sociedade. Rio de Janeiro: Qualitymark
Venade/Caminha
– Portugal, 2022
Com
o protesto da minha permanente GRATIDÃO
Diamantino
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Presidente
do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
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