O MURO DAS OSGAS- Albertino Galvao

 Este poema exige, a meu ver, esta pequena introdução porque nela transmito, convictamente, o que penso.

Haverá prostitutas que o são, julga-se, por gosto ou por vício. Mas há muita mulher que é forçada a prostituir-se por necessidades prementes e por outros motivos, tristes e condenáveis, sobejamente conhecidos.


O MURO DAS OSGAS- Albertino Galvao


A mente ocupada com coisas banais
e tosse insistente devido ao catarro...
desceste a avenida com passo seguro
de saia vermelha, corpete azul escuro.

No canto dos lábios, fumegante cigarro
ardendo, indif’rente, queimando ideais...
no ombro direito, balouçando inquieta,
a mala cinzenta com fecho dourado
e dentro dela, entre várias coisas,
pastilhas elásticas de sabor mentolado
mais o bâton com que pintas os lábios
e disfarças o gosto dos gostos que dás
mas deixam em ti sabor a desgosto.


O sorriso?... Bem!...O sorriso perdeste-o,
dizem-me os ventos, ainda bem jovem,
num dia cinzento dum ano qualquer...
por culpa de alguém que nunca te amou
e em ti procurou apenas momentos
de sexo e prazer...
deixando-te, em troca, um filho nos braços
que nunca sequer o beijou e amou!

Depois... algum tempo depois...
desiludida e frustrada, deste-te à rua...
e noite após noite, quentes ou frias,
jogaste e perdeste a beleza e as formas
das quais te orgulhavas
na idade e no tempo dos sonhos azuis.

Um pouco adiante paraste no ponto!...
No ponto de sempre que atesta e aponta
um ponto sem vírgula...o ponto final!

Gasto e ferido p’las setas do tempo
bem velho e sem cor, mas firme e ereto,
te esperava, ansioso, “o muro das osgas”!...
Cenário imponente mas inerte e discreto
sem cortinas grossas nem luzes diretas
focando o teu palco noturno e secreto.

Artista experiente, guião bem estudado,
deste as pancadas, de Molière, com as ancas...
subiste ao palco dominaste a cena...
abriste o espetáculo e mais uma vez
o papel principal foi teu,
incorporando e assumindo “ a madame Cló”.
Dama da noite, dama da vida,
vida da filha da puta da vida...
vida vivida dura e sofrida!

A noite, na fuga pelas frestas do dia,
dá por findo o espetáculo mais antigo do mundo
sem aplausos, sem vivas, sem flores
nem chá ou champanhe no teu camarim.
Mas o velho cenário... “o muro das osgas”
cego, surdo e mudo,
não abandona o teatro nem sai de cena!
Noite após noite se mantem de pé
firme e sereno à espera de ti
até que o sexo te doa
e a doença ou a morte
dele te separe...“madame Cló”!




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