Meu tempo menino- Albertino Galvão

 


Meu “tempo menino”
Foi parto difícil, dorido e gritado
Num tempo com espinhos
Sangrando, malvados, o viço das rosas!...
Foi tempo de histórias sombrias, pesadas,
Em surdina contadas...
E outras douradas com coroas e mantos
De reis de princesas, de bruxas e lendas
Duendes e fadas, quiçá encantadas! 

“Meu tempo menino”
Foi cheiro de mato no corpo suado...
Traje de rei num calção rasgado...
Jogo com bola de meias e trapos
Em chão empedrado...
Canela amassada e pés calejados
De saibro e cascalho!

“Meu tempo menino”
Foi fisga no bolso, navalha afiada,
Cigarro sem filtro fumegando tretas...
Lavado e vestido parecendo estar nu
Com as mãos nos bolsos
Tateando esperas, nervosas e longas...
Fingindo ter muito no nada que tinham
Os forros, sujos e gastos, em pano cru!

“Meu tempo menino”
Foi luz das estrelas na areia deitado...
Sede de chuva emprenhando *cacimbas...
Rio sem foz, nascente de dor...
Barco pesqueiro pescando *calemas...
Peito arranhado plas silvas do medo...
Coração pulsando teimoso, agitado,
Que, cedo, aprendeu o tum tum batucado
Do batuque da vida!

"Meu tempo menino”
Foi fome de amor num prato esmaltado
Sem forno nem fogo, nem colo de mãe
Onde neles pudesse essa fome aquecer!
Foi sonho adiado de querer e saber!...
Versos e prosas com fé de viver
Sem nós de mordaças nem grades e amarras
Os querendo prender!

“Meu tempo menino”
Foi quadro pintado com tinta vermelha
das flores das acácias...
Motivos os sonhos que esse tempo enjeitou
Gravados a fogo, como estranhos brincos,
Nas bochechas fartas duma lua cheia
Em solo africano!
Foi pala nos olhos queimados do sol...
Lágrimas revoltas salgadas plo mar...
Mentiras forjadas nas noites sem lua
Pra ter cama aberta com colcha e lençol!

"Meu tempo menino" foi tempo sem tempo
De eu menino ser!

*Poço artesanal
*Ondulação intensa do mar, típica das regiões costeiras da África

 
Abgalvão




Comentários