Abismo- Fernando Pessoa

 Olho o Tejo, e de tal arte 
Que me esquece olhar olhando, 
E súbito isto me bate 
De encontro ao devaneando — 
O que é sério, e correr? 
O que é está-lo eu a ver? 

Sinto de repente pouco, 
Vácuo, o momento, o lugar. 
Tudo de repente é oco — 
Mesmo o meu estar a pensar. 
Tudo — eu e o mundo em redor — 
Fica mais que exterior. 

Perde tudo o ser, ficar, 
E do pensar se me some. 
Fico sem poder ligar 
Ser, idéia, alma de nome 
A mim, à terra e aos céus... 
E súbito encontro Deus. 




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