INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA NOS DIREITOS HUMANOS- Diamantino Bartolo

     
    Abordar a Filosofia como uma “ciência” estruturada, sistematizada, sincrónica ou diacronicamente considerada, nos dias de hoje, é uma tarefa praticamente impossível e, ao longo dos séculos e dos milénios, a “mãe de todas as ciências”, ela, a Filosofia, tem vindo a ser invocada, para o bem e para o mal, escrutinada, analisada, estruturada, debatida, rejeitada, aplaudida, contudo, o seu estatuto, não pode deixar de ser altamente valorizado, num mundo que tende a globalizar-se, que resvala para as tecnocracias desumanas, para o materialismo selvagem, e insensível aos dramas da humanidade, e pelo respeito dos mais elementares Direitos Humanos.
    Nesta fase da minha vida etária, cívica, académica e profissional e, na qualidade de “Livre Pensador”, num país onde a liberdade de expressão, está constitucionalmente consagrada, cumpre-me, como eternamente aprendiz de filósofo, lançar um grito de “revolta pacífica” para a situação que os detratores dos valores humanos querem levar a Filosofia, procurando esvaziá-la dos seus conteúdos mais altruístas e vitais para a sociedade humana, desviá-la dos seus objetivos primordiais e mais nobres que, afinal, fundamentam, categoricamente, os mais importantes e imprescindíveis valores do indivíduo, plasmados nos documentos internacionais sobre a problemática dos Direitos do Homem e do Cidadão. Reflita-se então sobre alguns pilares, entre outros, como a religião, o trabalho, e diversos valores sempre atuais, que considero necessários, para uma sociedade cada vez melhor para este novo século XXI:
    a) Filosofia, enquanto ciência do pensamento estratégico, sobre a situação do homem nas suas mais profundas interrogações: Quem somos? O que queremos? Para onde vamos? 
    b) Educação, como caminho a percorrer, ao longo desta vida terrena e, principal meio para o homem se perspetivar numa dimensão superior, enquanto ser dos seres naturais, concebido à imagem e semelhança do seu Criador? 
    c) Direitos Humanos, como valores inquestionáveis, delimitadores de toda a praxis humana, na sua vertente relacional do homem para com o seu semelhante, mas também do homem para com a natureza animada, inanimada e divina? 
    d) E a Ciência, o que nos pode dizer acerca da situação do homem face aos inúmeros, complexos e velhos problemas que afligem a humanidade? A positividade científica, como deve ela colocar-se ao serviço do bem, da virtude, da paz?
    A cumplicidade e solidariedade que devem existir entre: a Filosofia, a Ciência e a Educação para os Direitos Humanos, serão, portanto, nesta minha breve reflexão, o assunto que tentarei desenvolver de uma forma muito pessoal, recorrendo, naturalmente, a algumas ilustres personalidades da área filosófica: e a uma outra obra; ou, a uma outra teoria, confessando-me, porém, desde já, que não sou um profundo apologista do acumular de teorias, sem a passagem à prática daquelas que possam, efetivamente, contribuir para a melhor formação do homem e da sua qualidade de vida, por isso, entendo que o filósofo deve ser mais interventivo na vida concreta, real e quotidiana das pessoas, atuando no terreno, saindo um pouco mais das universidades e das bibliotecas, a partir das quais terá, certamente, uma nova importância e o estatuto da Filosofia e do filósofo, serão, seguramente valorizados, porque se trata de uma praxis milenar da sabedoria.
    Para alguém se atrever a dar uma tentativa de definição de Filosofia, terá, no mínimo, de reunir várias qualidades/condições: sabedoria, prudência, experiência, maturidade e humildade. Reconheço que não congrego, na minha pessoa, todas aquelas capacidades (ou qualidades), todavia, não deixarei, como sempre tenho feito ao longo da vida, de recorrer às personagens que julgo poderem dar satisfação a tão antiga quanto profunda interrogação: O que é afinal a Filosofia? Eu não sei, mas, defendo que se trata de um saber, cada vez mais necessário e insubstituível, para a resolução dos problemas e conflitos que atormentam a humanidade.
    Sendo o objetivo deste trabalho, refletir um pouco sobre o que é, afinal, a Filosofia, e como ela pode servir os interesses dos Direitos Humanos, certamente, não cabe no seu âmbito académico e histórico, recuar muito no tempo, para inventariar as inúmeras e possíveis definições, todavia não resisto a transcrever algumas passagens, da idade moderna aos nossos dias, e, nesta metodologia, é importante destacar o que pensavam alguns responsáveis da época, começando primeiro por mencionar o Prof. Pinharanda Gomes, na apresentação que faz à obra de Silvestre Pinheiro Ferreira, (1769-1846). 
    Com efeito: «De verdade, uma nação só é autónoma e livre quando se garante a liberdade, a propriedade de pensamento e de movimento. Nenhuma ficção política ocultará a verdade da subserviência filosófica, se esta for tão real como tem sido, desde o século XVIII (no caso português). Ainda que possamos dispor de poder económico mundial, não seremos dignos, se não garantirmos, antes disso, a autonomia de uma própria e inalterável felicidade filosófica.» (in: FERREIRA, 1994:23).
Possivelmente, aceitaremos, sem grande contestação, que a Filosofia, desde sempre, há mais de 25 séculos, constitui uma dimensão fundamental e exclusiva do ser humano, e também é sabido que, principalmente a partir dos primeiros filósofos naturalistas, críticos, pré-socráticos, socráticos, platónicos, aristotélicos, até aos dias de hoje, todos se vêm preocupando: com aspetos que a ciência não abordara; ainda outros que não tem como explicar e, quem o poderá garantir, se alguma vez conseguirá de forma objetiva, rigorosa e provada, esclarecer-nos acerca das questões radicais, que desde sempre têm atormentado o homem. 
    A Filosofia, poderá não nos esclarecer, globalmente, sobre tais informações, mas, pelo menos, assume, incessantemente, a busca para uma explicação, recuando sempre, e em primeira abordagem, às causas mais remotas e transcendentais, mesmo continuando a ser acusada de nada resolver.
    Se analisarmos o Manual de Filosofia do “Curso Elementar de Philosophia”, segundo o programa oficial para o ensino nos Lyceus do Reino, em 1866, elaborado por António Ribeiro da Costa, começaremos por formular algumas interrogações, sobre certas respostas afirmativas à época, podendo daqui resultar uma tentativa de definição de Filosofia.
    Citemos, então, o autor: «Quem sou eu? Qual é a minha origem, e o porquê da minha existência? Onde está o meu fim, ou o para quê da minha existência? A Filosofia é a ciência que se ocupa de resolver estes três problemas; solução que é o ideal a que o homem aspira e do qual se aproxima incessantemente, sem poder jamais chegar à solução completa. Deste modo a Filosofia pode definir-se a ciência que procura expor a natureza, atributos e faculdades das substâncias espirituais, consideradas em si mesmas, e nas suas relações gerais com as outras substâncias.» (COSTA, 1866:7).
    Numa perspectiva mais global, mas específica e clássica, certamente que nos é possível avançar algumas ideias do que é e do que não é a Filosofia, porque se é difícil, se não mesmo impossível, defini-la, então tentaríamos a via de esclarecer aquilo que ela não é, deixando ao paciente leitor deste trabalho, a delicada tarefa de concluir, com toda a sua sabedoria, o que é, então, a Filosofia.
    Invocando MARÍAS, começaria por transcrever algumas passagens do seu pensamento: «Por Filosofia entenderam-se, principalmente, duas coisas: uma ciência e um modo de vida. (...). Ambas as dimensões são inseparáveis e, de facto, nunca apareceram totalmente desligadas. A Filosofia é um modo de vida, um modo essencial que, justamente, consiste em viver numa certa ciência e, portanto, a postula e exige. É, portanto, uma ciência que determina o sentido de vida filosófica. (...) Em Aristóteles a Filosofia é uma ciência rigorosa, a sabedoria ou o saber por excelência. A ciência das coisas enquanto são. (...) Depois de Aristóteles, a partir da morte de Alexandre e a seguir a todo o Império Romano, a Filosofia esvazia-se de conteúdo científico e vai-se convertendo, cada vez mais, num modo de vida, o do sábio sereno e imperturbável, que é o ideal humano da época. No criatrurismo com Santo Agostinho e S. Tomás a Filosofia mover-se-á entre uma ciência Teológica e uma ciência Filosófica. Na época Moderna, com Descartes, entende-se como uma ciência para a vida. Trata-se de viver, viver de certo modo aquilo que se faz e, sobretudo, aquilo que se deve fazer. 
    A Filosofia como um modo de vida que postula uma ciência. Kant vem falar-nos de um conceito escolar e de um conceito mundano de Filosofia: pelo primeiro, é um sistema de todos os conhecimentos filosóficos; pelo segundo, é a ciência tida como a relação com os fins essenciais da razão humana. (...). No nosso tempo e com Husserl a Filosofia é a ciência escrita e rigorosa; Dilthey a vincula essencialmente à vida humana e à história; Ortega com a ideia de razão vital torna a pôr de um modo radical o próprio núcleo da questão estabelecendo uma relação intrínseca e necessária entre o saber radical e a própria vida.» (MARIAS, s.d., 24-25).

Bibliografia.

COSTA, António Ribeiro da, (1866). Curso Elementar de Philosophia. 2a Ed. Porto: Typographia de António J. S. Teixeira.
¬FERREIRA, Silvestre Pinheiro (1994) Categorias de Aristóteles. Tradução, Silvestre Pinheiro Ferreira, apresentação e notas de Pinharanda Gomes, 3ª ed., Lisboa: Guimarães Editores
MARIAS, Julián, (s.d.). Historia de la Filosofía. Tradução de Alexandre Pinheiro Torres. São Paulo: S.A.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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