Diógenes era um jovem militar da Marinha, sempre muito bem fardado, fosse com a farda de inverno, cor azul ferrete, fosse com a de verão, totalmente branca, despertava algum interesse nas jovens com quem se cruzava e ele, igualmente, se interessava muito pelas moças namoradeiras, por isso, quando alguma jovem se atravessava no “caminho” dele, e fosse do seu agrado, não perdia tempo em saber quem era, onde morava, o que fazia e se tinha namorado.
Quando vinha à sua terra natal, agora noutra localidade, que não onde os pais residiram durante quinze anos, o jovem aos fins-de-semana, começou a conviver com as pessoas da sua terra natal e, procurou, o mais rapidamente possível, uma companhia feminina, para tentar trazer para junto de si, uma jovem da sua idade, para um futuro compromisso.
Aos domingos, nestas aldeias minhotas, e à época, era muito frequente acontecerem os bailaricos ao ar livre, num largo apropriado e, ao som de dois acordeonistas, organizavam-se os bailes, cada jovem contribuía com o que podia para o pagamento dos dois artistas, e assim se passavam belas tardes de domingo. No inverno, também era possível realizar estes encontros dançantes, agora num salão, para o efeito cedido, gratuitamente, pelo dono do mesmo, o qual tinha por cima do salão, um café, onde os jovens faziam as suas despesas.
Foi num desses bailes de inverno que Diógenes se cruzou com Belmira, uma jovem da terra, que já tinha ouvido falar do jovem e recebido boas referências dele, segundo lhe viria a dizer mais tarde, por isso, quando o jovem marinheiro a convidou para uma dança, ela, já de maior idade, rapidamente aceitou o convite e assim se deram ao conhecimento.
Belmira, com os seus vinte e cinco anos, mais seis do que Diógenes, tinha uma pele ligeiramente morena, cabelo preto curto, olhos castanhos e um corpo bem torneado e escultural, chamando sempre a atenção dos jovens que por ela passavam. Na primeira dança com Diógenes, ela disse-lhe que o conhecia bem, por se relacionar frequentemente com os pais dele, que lhe disseram que o filho estava na Marinha, em Lisboa, mas que vinha à terra quase todos os fins-de-semana,
O baile que se tinha iniciado por volta das quinze horas, prolongou-se até cerca das dezanove, regressando a casa as jovens e alguns jovens, outros ainda foram para o café, como foi o caso de Diógenes que, junto de outros rapazes da terra, tentou colher mais informações sobre Belmira, tendo ficado satisfeito com o que lhe tinham dito, nomeadamente, que ela naquela época não tinha namorado, embora já tivesse tido alguns namoros.
Decorrido cerca de quinze dias, Diógenes voltou à sua terra, desta vez com um fim-de- semana alargado, chegou na sexta-feira à tarde e regressou a Lisboa na segunda-feira de manhã. No sábado, pela manhã, pegou na sua mota e dirigiu-se para as redondezas onde residia Belmira, pois já tinha sido informado do local onde estava localizada a casa da jovem. Circulou pela estrada durante algum tempo, até que viu junto do portão do jardim da residência, a linda Belmira, que logo o cumprimentou pelo nome, e se aproximou dele perguntando-lhe se estava na terra durante todo o fim de semana, ao que ele respondeu que permaneceria até à próxima segunda-feira. Ótimo, foi a palavra que Belmira pronunciou.
Diógenes ficou visivelmente satisfeito e perguntou-lhe o porquê daquele “ótimo”, ao que ela respondeu: «é porque assim vamos encontrar-nos no baile de domingo, se tu quiseres!» O moço já não cabia em si de feliz, dizendo-lhe de imediato que iria ao baile se ela lhe prometesse que dançaria só com ele! Belmira respondeu-lhe, sem hesitar: «claro Diógenes, serei o teu par o tempo que quiseres, aliás, temos alguns assuntos para conversar que talvez te interessem!». Diógenes nem queria acreditar no que acabava de ouvir e logo ali combinaram o local onde se encontrariam, para seguirem os dois juntos para o baile que iria acontecer.
No domingo seguinte, os dois jovens, lado a lado, entraram no salão do baile, já este tinha começado. Alguns olhares indiscretos recaíram sobre os dois, sorrisos igualmente imprudentes, e logo ali iniciaram as danças que se iriam seguir. Diógenes não perdeu tempo e perguntou a Belmira: «Então quais eram esses assuntos que querias conversar comigo?»
Belmira, corou, olhou-o bem no fundo dos olhos e apenas lhe disse: «Pela primeira vez na minha vida que encontro um jovem tão educado e tão lindo como tu!». Diógenes compreendeu muito bem o que Belmira que lhe queria transmitir e, com algum receio, mas também com sinceridade e coragem, interrogou-a com a seguinte pergunta: «Belmira, estás a dizer que gostas de mim? Que queres namorar comigo? A jovem respondeu de imediato: «Não sou eu que tenho de te pedir namoro, mas para um bom entendedor, meia palavra basta»
Continuaram a dançar, sempre os dois, desde que chegaram até ao fim do baile. Belmira ainda foi convidada por outros jovens, mas ela recusou e continuou dançando com Diógenes. Enquanto dançavam e como normalmente acontece, os corpos de ambos cada vez se colavam mais, os rostos se aproximavam, já se sentia o calor de ambos, os olhares cruzavam cada vez com mais frequência até que, num rápido gesto, Diógenes deu-lhe um beijo na face da jovem e ela, disfarçadamente, com igual rapidez, levemente, encostou a sua boca, nos lábios de Diógenes, que não queria acreditar no que estava a acontecer.
Na dança seguinte, os dois jovens já não conseguiam disfarçar o que lhes ia no coração. Os olhos de ambos pareciam dois faróis, sorrisos rasgados, rostos corados, peitos ofegantes. Terminada a dança, Diógenes disse a Belmira que por vontade dele, gostaria de sair com ela para dar um passeio pela aldeia. Belmira acedeu com um sorriso nos lábios, um olhar malicioso e, puxando-o pela mão, saíram discretamente do recinto de baile.
Já na rua, caminharam até junto do parque próximo do rio. Não chovia, nem estava frio. Era um daqueles dias de outono, já ao entardecer, uma quietude fazia-se sentir à volta deles. Alguns pássaros cantavam, a noite aproximava-se e a Lua cheia despontava por detrás dos montes. A calma, o silêncio e o misterioso que a Lua começava a transmitir, permitiam que, aquele era o momento certo para Diógenes se declarar, porque já não aguentava mais tempo calar o amor que começava a transbordar do seu coração e, agarrando o rosto de Belmira com as duas mãos, disse-lhe com imensa ternura: «Belmira, eu estou apaixonado por ti. Eu tenho a certeza que te amo, como nunca amei alguém. Aceitas ser minha namorada? Podes dizer-me o que sentes por mim, por favor?»
Belmira não esperava outras palavras e atitude de Diógenes. O seu olhar como que se sobrepôs ao resplendor da luz da Lua, que já era intenso. Ela, já uma mulher madura, que até teria tido outros namorados, logo ali lhe respondeu o que ele mais queria ouvir: «Diógenes, desde o dia que soube da tua existência, e pelas informações que tinha a teu respeito, fiquei curiosa por te conhecer e, a partir de então, também procurei forçar um encontro contigo e, quando te vi a primeira vez e depois começamos a dançar, o meu coração não resistiu mais a algo que eu não sabia explicar, mas que agora sei que era amor, paixão, arrebatamento por ti. por isso digo-te que também estou apaixonada por ti, que te amo de verdade como nunca amei alguém. A partir de hoje, nada temos que esconder, somos namorados e amámo-nos»
Estavam feitas as declarações de amor. Os dois namorados regressaram até à casa de Belmira, agora de mãos dadas, de vez em quando, Diógenes punha o braço por cima dos ombros de Belmira, encostava a sua boca ao pescoço dela e depois, aos ouvidos sussurrava-lhe palavras ternas de amor e, continuando a caminhada, num local onde não passava ninguém, deu-lhe, primeiro, um beijo na testa e, de seguida, olhou-a nos olhos, ela com o rosto corado, entreabriu a boca, oferecendo os seus lábios, para que Diógenes a beijasse.
A reação de Belmira não se fez esperar. Também ela, com alguma voracidade, colou intensamente os seus lábios aos de Diógenes e assim permaneceram durante alguns segundos, até que, ambos, acabaram por sucumbir aos desejos mais sensuais e íntimos, concluindo o beijo com as línguas entrelaçadas, os corpos trémulos, os órgãos sexuais extremamente excitados, as mãos de ambos procurando as partes mais intimas, afagando-as delicada e carinhosamente, como que a insinuar o que gostariam que acontecesse entre um homem e uma mulher, mas ali era impossível, ficando-se pelos desejos de uma relação mais íntima, porém, não concluída.
Diógenes deixou Belmira junto do portão de sua casa, sem que antes, voltassem a beijar-se, agora diretamente na boca, mais um abraço, mais um beijo e um sorriso de doçura e amor por parte dos dois. Ele prometeu-lhe que voltaria dentro de quinze dias e que, em vez de irem para o baile, poderiam passear por outros locais e estarem ainda mais à vontade, porque, entendia ele, que mereciam, de ora em diante, desfrutar deste amor tão belo, quanto intenso.
No encontro que se seguiu, volvidos quinze dias, pelas três e meia da tarde, Diógenes dirigiu-se para próximo da casa de Belmira, que já o aguardava junto do portão. Estava linda como sempre: saia folhada castanha, uma blusa rosa-escuro, cabelo muito bem penteado e sapatos castanhos, rasos. Diógenes aproximou-se dela, olhou para todos os lados e cumprimentou-a com um ligeiro beijo na boca, não fosse alguém ver, incluindo os pais, que, apesar da maior idade da jovem, tudo indicava que não queriam que ela namorasse, pois tratando-se da única filha, entendiam eles que deveria ficar a cuidar dos progenitores quando estes precisassem da ajuda dela, atitude que Diógenes não compreendia muito bem, porque Belmira tinha todo o direito de constituir família e até já estaria na idade para pensar nesse projeto, não importando a pouco diferença de idade entre os dois, apenas seis anos.
Diógenes, apesar de já ter namorado duas ou três moças, certamente, não tinha a experiência de Belmira, dado que ela, ao que lhe disseram outros jovens, já namorava desde os dezassete anos, portanto, há cerca de oito anos que ela terá tido vários pretendentes, contudo, talvez por causa da posição dos pais, nunca terá assumido um compromisso, por exemplo, de noivado, o que estava a acontecer, igualmente com Diógenes.
Naquela tarde, como já era hábito, os dois namorados saíram para o mesmo local onde tinham estado da última vez. Enquanto se acariciavam de várias formas, iam fazendo projetos. Diógenes disse-lhe então. «Gostarias de casar comigo quando eu terminar o serviço militar e tiver uma outra profissão mais estável, em termos de estarmos todos os dias juntos?» Ela, parece que não ficou muito surpreendida, apesar de agradada com a pergunta e não fugiu à resposta:
Então lhe retorquiu: «É uma possibilidade, mas que ainda não pensei a sério. Tu, provavelmente, não conheces todo o meu passado. Tive vários namorados, e com dois deles, relacionei-me sexualmente. Estávamos apaixonados, não resistimos aos impulsos do ímpeto que nos atraía. Não sou a virgem com a qual, se calhar, tu gostarias de casar. Mas isso não significa que não te ame, até porque, depois das experiências que tive, e que fui abandonada por quem me possuiu, fiquei com muito receio, que algo parecido voltasse a acontecer»
Diógenes ficou sem reação. O seu rosto empalideceu. Parecia que o mundo lhe caía em cima dos ombros, porque na verdade nunca tinha pensado, nem ninguém lhe tinha dito toda a verdade, sobre o passado de Belmira. Ele já a amava e por isso, a dor foi ainda maior. O jovem sempre desejou uma mulher que fosse sua pela primeira vez, e com ele casasse ainda virgem. Seria um preconceito do jovem, mas repugnava-lhe ter a seu lado uma mulher que já tinha sido fruída plenamente por outros. Nesse dia, os dois jovens despediram-se com alguma frieza por parte de Diógenes.
Belmira ficou, aparentemente, preocupada e ainda lhe perguntou: «Ficaste triste por conheceres o meu passado, não foi? Mas as duas pessoas com quem me relacionei de forma íntima, prometiam-me que casavam comigo, juravam que me amavam e eu acreditei e acabei por ser traída. Apesar de ter sido enganada uma vez, tentei novamente um novo amor, mesmo contra vontade dos meus pais. Desta vez, era uma pessoa já madura, mais velha do que eu dois ou três anos, com uma vida estável e, aos poucos, conseguiu convencer-me para casarmos. Um dia levou-me a ver a casa onde habitava e aí, agarrou-me com suavidade, dizendo-me que estava loucamente apaixonado por mim e, puxou-me para a cama, sem qualquer resistência da minha parte. Eu estava como que hipnotizada e permiti a relação. Fizemos isto por várias ocasiões, até que eu vim a saber que ele era casado, que tinha família. Ele tentou várias vezes encontrar-se comigo, mas nunca mais o aceitei, nem para qualquer tipo de explicações por parte dele»
Depois deste relato, que a Diógenes, apesar de tudo, lhe pareceu sincero, ficou-lhe a dúvida sobre quantos teriam sido os namorados que possuíram Belmira. Não era isso que ele queria para a sua vida matrimonial e, só de imaginar que quando estivesse com ela na cama, logo lhe viria à memória, que já outros o tinham feito, sentia-se enojado, usado e logo ali lhe disse: «Belmira, hoje é o dia mais triste da minha vida, sabes o quanto te amava e tu deverias ter-me informado do teu passado quando fazíamos projetos. Fico a pensar que, afinal seria mais um a beneficiar da tua leviandade, dos teus apetites sexuais. Uma mulher assim, eu não quero para minha companheira. Desejo-te as maiores felicidades e até sempre»
Durante os dias que se seguiram, Diógenes agradeceu a Deus por se ter livrado de uma mulher que, quem sabe, caminharia para a prostituição e a verdade é que, depois de ter terminado o namoro com Belmira, ainda não tinham decorridos dois meses, já ela tinha novo “namorado”, quiçá”, um novo companheiro para a cama.
Venade/Caminha – Portugal, 2022
Com o protesto da minha permanente GRATIDÃO
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de
Portugal
http://nalap.org/Directoria.aspx
http://diamantinobartolo.blogspot.com
https://www.facebook.com/diamantino.bartolo.1
Comentários