AS SUSPEITAS QUE UM AMOR PODE LEVANTAR!- Diamantino Bártolo

     
    O dia não começava bem para Alexandre. Terminado o curso que tinha frequentado numa das Escolas da Armada Portuguesa, seria mobilizado para uma unidade de comunicações, fora da cidade de Lisboa, mais propriamente para a Estação Radionaval de Algés, assim era designada. Depois de alguns meses seria transferido para outra Estação de comunicações na ponta Sul do país, mais concretamente Sagres, para, ao fim de alguns meses, regressar à primeira situação, ou seja, Algés.
    Alexandre, naquela época, e embora a sua ainda pouca experiência, já era considerado um bom radiotelegrafista, ficando bastante tempo, sem vir à sua terra, passar o fim de semana com os pais, o que lhe provocava alguma tristeza, por isso entendeu que deveria procurar companhia para, pelo menos, mitigar as saudades e, eventualmente, recomeçar uma vida nova, a nível de um futuro compromisso, com alguma jovem com quem simpatizasse.
    O jovem Alexandre, à época, já com 20 anos, tinha permissão para sair do quartel durante um dia por semana: ao sábado ou domingo. Pelo menos tinha a possibilidade de procurar quem lhe preenchesse o coração, e lhe desse algum conforto sentimental, pois ele entendia que estava muito só muito só e carecia muito duma companhia feminina, como já tinha acontecido no passado com alguns namoros, que ele encarava com muita seriedade.
    Num desses sábados em que saiu, a pé, encontrou na vila, junto ao local onde trabalhava, uma moça, pequenina, muito linda, loirinha e olhos azuis e, além disso, fisicamente bem constituída. Alexandre tentou “meter” conversa com ela e, como a jovem desde logo se revelou muito educada, perguntou-lhe o que ele pretendia. Alexandre respondeu-lhe de imediato: «Gostaria de a conhecer melhor, conversar mais vezes consigo, darmos uns passeios e se nesta aldeia houver alguma associação, onde se realizem bailes, também poder dançar consigo e, já agora, como se chama? Eu sou Alexandre e trabalho na Marinha como radiotelegrafista». 
    A jovem gostou, tudo indica que sim, da forma simples como Alexandre se lhe dirigiu, como se apresentou e de seguida respondeu-lhe, também ela, com grande simplicidade lhe retribuiu a apresentação: «Eu trabalho lá em baixo, na cidade, como escriturária, num estabelecimento comercial, mas resido aqui na aldeia. Meu nome é Anabela, tenho vinte e dois anos de idade. Meus pais trabalham em fábricas e meus três irmãos também»
    Alexandre ficou satisfeito com as respostas de Anabela e, logo ali, a convidou para que ela lhe desse a conhecer a aldeia próxima do quartel da Marinha. A jovem disse-lhe que naquele dia não podia fazer isso: primeiro porque tinha de estar em casa bem cedo, para ajudar a confecionar o jantar, para os pais e irmãos, e depois porque um dos irmãos, precisamente o mais velho, estava sempre a fazer de polícia, e tudo o que ela fazia, ele a repreendia e transmitia aos pais.
    Alexandre não desarmou e propôs-lhe o sábado seguinte para saírem para a aldeia, onde havia um pequeno monte, com bastantes árvores, tendo pela frente o mar. Poderiam encontrar-se naquele local, e conhecerem-se melhor. Como os dias já eram maiores, estava-se em maio, marcaram para as quatro da tarde e ficariam até às seis. Os dois jovens, naquele dia, despediram-se com um aperto de mão, um sorriso bem rasgado e olhos brilhantes.
    No dia aprazado, Alexandre “morria” de ansiedade para se encontrar com a sua nova “futura” namorada, pelo menos tudo iria fazer para conquistar o coração daquela “flor”, tão bela quanto pequenina e frágil. Ele próprio se dirigiu para o local combinado, ainda faltava um quarto de hora para as dezasseis da tarde. Entretanto, por entre os pinheiros, descortinou a “loirinha”, que caminhava a passo rápido e que, também logo o viu, para ele se dirigiu, agora apressando o passo.
    Frente a frente, Alexandre e Anabela cumprimentam-se como de costume, mas desta vez com um aperto de mão mais prolongado e caloroso. A moça iniciou o diálogo, perguntando-lhe: «Então como foi a tua semana de trabalho? Pensaste em mim e quem eu sou de verdade? Alexandre, com a mesma naturalidade de sempre, respondeu-lhe o seguinte: «Sim, foi uma semana de bastante trabalho, porque tivemos que receber imensos radiotelegramas, dos militares que estão na guerra, mas tudo correu bem. Olha, eu até poderia ficar zangado, ao perguntares se pensei em ti! Então vou dizer-te, não só pensei como sonhei contigo, e não imaginas que sonhos maravilhosos! E vou dizer-te mais, desde que te vi a primeira vez, não me sais da cabeça».
    Anabela ficou deliciada com a resposta de Alexandre, e aproveitou para lhe dizer que também pensou muito nele e, ao mesmo tempo, entendeu que tinha o dever de ser sincera para com este moço que parecia gostar dela e então disse-lhe mais: «Sabes Alexandre, eu também pensei muito em ti. O meu irmão mais velho anda desconfiado que eu já tenho namorado e perguntou-me isso mesmo, mas eu disse-lhe que não, embora, tu sejas para mim e neste momento, o meu único e querido apaixonado».
Entretanto, depois de caminharem por entre as árvores, sentaram-se no chão, encostados a um pinheiro, com o mar imenso pela sua frente. Alexandre perguntou a Anabela: «Posso agarrar essa tua mão tão pequenina e delicada?» Ela não lhe respondeu, mas num gesto muito suave, agarrou a mão dele e, foi apertando cada vez mais, sendo correspondida neste ato por Alexandre, que lhe disse: «Que bom que é sentir a tua mão. Como eu gostaria de sentir assim o teu coração, bater forte contra o meu peito!»
Continuaram de mão dada, conversando, rindo, contando anedotas, algumas com um toque mais ousado, sem haver qualquer falta de respeito. Pareciam felizes, como se costumava dizer: “feitos um para o outro”. Alexandre, queria saber mais sobre aquela bela jovem, e perguntou-lhe: «Anabela, já alguma vez tiveste namorado? Chegaste a amar de verdade alguém? Se já tiveste namorado, como te relacionavas com ele? Beijaram-se alguma vez? Desculpa a minha audácia, mas ela deve-se ao facto de eu ter sentimentos muito fortes e sinceros por ti»
    Anabela não ficou surpreendida com a pergunta de Alexandre. Afinal ela já tinha vinte e dois anos, era muito natural que já tivesse namorado, tanto mais que formosa como era, não lhe teriam faltado pretendentes. Não se escusou a satisfazer as legítimas curiosidades de Alexandre e logo ali lhe disse: «Olha Alexandre, sim, eu já tive dois namorados, um era colega de trabalho do meu irmão mais velho, e o  outro foi numa festa de aniversário de uma amiga minha, que ela me apresentou e que nos conhecemos. O primeiro namoro durou menos de seis meses e, para além de algum beijo sem significado nada mais houve; o segundo, mais novo do que eu e muito imaturo, namorou comigo três ou quatro meses e com este nada mais houve do que alguns passeios e sem toques».
Alexandre não era propriamente um jovem ciumento, em relação ao passado de alguma das jovens com quem tinha namorado, mas sempre apreciava mais as moças que nunca se tivessem relacionado intimamente com outros namoros, porque isso levava-o a pensar que, a jovem que em dado momento, estava a namorar com ele, também pensasse, simultaneamente noutros namorados, desviando a atenção que Alexandre julgava merecer-lhe. 
    Aproximava-se a hora de regressarem. Alexandre informou Anabela que no próximo fim de semana ia, finalmente, à terra natal, para estar com os seus pais, primos e alguns amigos. Regressaria no domingo à noite a Lisboa e daqui para a estação rádio naval onde trabalhava.
    Apesar disso, marcaram encontro para o domingo seguinte ao seu regresso, à mesma hora e no mesmo local, caso Anabela estivesse de acordo. A jovem logo lhe disse ali o seguinte: «Alexandre, claro que o encontro já fica agendado e acredita que este tempo vai custar-me muito a passar. Já agora, quero dizer-te que me apercebi que não terias gostado de eu já ter namorado. Mas fica descansado, porque alguns dos beijos que troquei com o primeiro namorado, nem sequer foram na boca, mas sim na face. Peço-te muito que confies em mim, porquanto nunca te vais arrepender. Sou jovem, mas com muita maturidade, e sei muito bem o que desejo da vida.».
    Despediram-se: primeiro com um longo e caloroso aperto de mão e, seguidamente, não resistiram ao impulso que os atraia e, quase sem se darem conta, beijaram-se na face, duas vezes e, finalmente, Alexandre deu-lhe um beijo na testa e mais um em cada olho, dizendo à jovem o seguinte: «Anabela, estes beijos são puros, significam o quanto eu te amo e respeito». E assim, sem quaisquer rodeios, ali lhe fez a declaração de amor. Anabela, não quis que ele pensasse, algo diferente do que ela sentia, e retribuiu-lhe a declaração de amor dizendo-lhe: «Meu querido Alexandre, da minha parte foi amor à primeira vista, amo-te como nunca amei alguém, por isso, agora sou eu que te peço que aceites o meu beijo apaixonado» e, pegando-lhe a cara com as duas mãos, selou aquele amor com um longo beijo nos lábios de Alexandre, o qual ficou sem saber o que fazer, mas ainda foi a tempo de lhe retribuir tão maravilhoso beijo.
    Alexandre no fim de semana seguinte foi à sua terra natal e rapidamente regressou a Lisboa, não no domingo à noite, mas no domingo de manhã. Quando chegou ao quartel, tentou telefonar a Anabela, mas o telefone estava ocupado e ele não insistiu, porque poderia, sem querer, desencadear algum problema para Anabela, caso o irmão mais velho viesse atender o telefone, mas durante a semana, conseguiu falar com a namorada, para o local de trabalho dela.
    Como de costume, combinaram o encontro, no mesmo local, o que veio a acontecer. Ali chegados, Alexandre perguntou a Anabela se já tinha visitado a Estufa Fria de Lisboa? Ela disse-lhe que não, então combinaram que na próxima saída passariam lá a tarde, pois é um local muito aprazível, com uma vegetação muito diversificada e linda, lagos de água límpida, viveiros de peixes, cascatas muito belas, onde é possível desfrutar de uma profunda paz de espírito, e ter pensamentos maravilhosos.
    E assim, no domingo seguinte o casal de namorados, dirigiu-se ao local do costume para, depois, apanharem um ónibus para a Estufa Fria. Enquanto esperavam pelo horário, ainda no monte, virados para o mar, Alexandre agarrou Anabela pela cintura e, ali mesmo, a beijou várias vezes. Ela correspondeu intensamente e a Estufa Fria, acabaria por ficar para outro dia, porque a paixão ardia-lhes no peito, na alma, na cabeça. Estavam “perdidos”, no melhor sentido do conceito, e já nada viam à sua volta. As bocas procuravam-se avidamente. 
    As mãos faziam todas as carícias possíveis, nos locais do corpo mais íntimos. Depois deste primeiro “assalto” amoroso, os namorados descansaram, olharam-se bem fundo nos olhos, e Alexandre perguntou a Anabela: «Queres casar comigo, quando eu terminar o serviço militar?» Ela respondeu-lhe: «Sou de maior idade, trabalho e tenho o meu salário, não preciso que termines o serviço militar e, se me consideras que sou a mulher do teu agrado, podemos agendar o nosso matrimónio no Registo Civil, mas em segredo, porque sei que irei ter problemas com os meus pais e o meu irmão mais velho»
Alexandre e Anabela sabiam que, naquele local, não podiam avançar com outro tipo de intimidades, nomeadamente, uma relação mais sensual. Ambos estavam desolados porque a oportunidade era ótima, mas podiam ser descobertos e chegar ao conhecimento dos pais e dos irmãos, o que seria para ela uma tragédia, por isso continuaram com os afagos, beijos quentes, os lábios de ambos quase que estavam mordidos e a sangrar, mas não tinham qualquer dor, porque o amor, quando verdadeiro, sobrepõe-se a tudo isso.
    Mas o pior estava para chegar. A meio da semana seguinte, Alexandre telefona a Anabela para marcarem um encontro muito urgente, logo na terça ou quarta-feira seguinte. Alexandre pediu a um colega para ficar por ele no serviço, por algum tempo e dirigiu-se para o local do costume. 
Anabela já o esperava e, banhada em lágrimas disse-lhe: «Amor da minha vida, meu irmão descobriu tudo, no domingo fomos vigiados por um amigo dele. A nossa relação chegou ao conhecimento de meus pais que, logo me proibiram de namorar com tropas», porque, dizem eles: “os militares querem é gozar com as namoradas, quantas vezes as deixando grávidas”. Eu ainda ripostei que tu não eras desses, a tua formação na Marinha tinha muito prestígio e que a intenção seria casarem logo que terminasses o serviço militar».
    O casal de apaixonados, Alexandre e Anabela, encontraram-se na terça-feira, num outro local próximo do habitual. Agarrados um ao outro, choraram, beijavam-se com as lágrimas a escorrer pelo rosto, tentaram, ainda assim, como que uma despedida muito íntima, mas já não conseguiram, porque por entre as árvores, surge um vulto que, aproximando-se, se viu tratar-se de um homem, justamente o pai de Anabela.
     Educadamente dirigiu-se à filha e disse-lhe: «Aguarda por mim dentro do carro que está ali na estrada, porque eu vou falar com este senhor». Anabela assim fez e, num derradeiro olhar, atirou um beijo ao seu amado.
    O senhor António, assim se chamava o pai de Anabela, dirigiu-se de seguida a Alexandre para lhe dizer o seguinte: «Meu jovem, eu sei muito bem que você é militar e que, mais cedo ou mais tarde, vai para a guerra no ultramar. Ninguém pode garantir que regresse são e salvo. Eu já sabia que minha filha andava por aí a namoriscar, mas não tinha conhecimento sobre a pessoa com quem ela andava. Acabei por descobrir que era você e, apesar de nada ter contra si, eu não quero ter um neto cujo pai, tanto poderá abandonar a mãe e o filho, como morrer na guerra ou ficar inválido. Sabemos muito bem que os tropas querem é “saborear” a vida, com jovens desprevenidas, por isso vamos cortar o “mal” pela raiz. A partir de hoje não se encontrará mais com minha filha, sob pena de sofrer pesadas consequências. Vá à sua vida e deixe-nos em paz».
    E assim terminou um romance que tinha tudo para dar certo, porque Alexandre era uma pessoa do bem, educado, trabalhador, poupado. Enfim, o homem com quem muitas jovens gostariam de constituir matrimónio. O pai de Anabela tinha razão apenas num aspeto: Alexandre foi mesmo nomeado para uma comissão militar, numa das províncias portuguesas em África, mas regressou são e salvo. Refez a sua vida com outro amor que, entretanto, conheceu, e esse amor, de facto superou todos os outros. 
    Alexandre, hoje é um homem muito feliz, com uma bela família constituída, uma esposa que o ama e que é correspondida. O casal já tem uma linda menina, cujo nome é Lorena. Agora, com um matrimónio estável, Alexandre continua a ser o homem que sempre foi:  respeitador relativamente a quaisquer outras jovens.
    Mais tarde, viria a saber que Anabela, teria casado por imposição do pai, com um amigo de um dos irmãos, porém, a infelicidade da bela jovem, bateu-lhe à porta. O indivíduo com quem foi obrigada a contrair matrimónio, dava-lhe mais tratos, a violência doméstica era o dia-a-dia de uma jovem que não casou por amor e que, a própria família, pais e irmãos, lhe destruíram o futuro e lhe roubaram a possibilidade ser feliz.

Venade/Caminha – Portugal, 2023

Com o protesto da minha permanente GRATIDÃO

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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