Toda forma que vês
tem seu arquétipo no mundo sem-lugar.
Se a forma esvanece, não importa,
permanece o original.
As belas figuras que viste,
as sábias palavras que escutaste,
não te entristeças se pereceram.
Enquanto a fonte é abundante,
o rio dá água sem cessar.
Por que te lamentas se nenhum dos dois se detém?
A alma é a fonte,
e as coisas criadas, os rios.
Enquanto a fonte jorra, correm os rios.
Tira da cabeça todo o pesar
e sorve aos borbotões a água deste rio.
Que a água não seca, ela não tem fim.
Desde que chegaste ao mundo do ser,
uma escada foi posta diante de ti, para que escapasses.
Primeiro, foste mineral;
depois, te tornaste planta,
e mais tarde, animal.
Como pode ser isto segredo para ti? [1]
Finalmente foste feito homem,
com conhecimento, razão e fé.
Contempla teu corpo – um punhado de pó –
vê quão perfeito se tornou!
Quando tiveres cumprido tua jornada,
decerto hás de regressar como anjo;
depois disso, terás terminado de vez com a terra,
e tua estação há de ser o céu.
Passa de novo pela vida angelical,
entra naquele oceano,
e que tua gota se torne mar,
cem vezes maior que o Mar de Oman. [2]
Abandona este filho que chamas corpo
e diz sempre “Um” com toda a alma.
Se teu corpo envelhece, que importa?
Ainda é fresca tua alma.
– Jalâl ad-Din Rûmî, em “Poemas Místicos: Divan de Shams de Tabriz”.
[seleção, introdução e tradução José Jorge de Carvalho]. São Paulo: Attar Editorial, 1996.
[1] Lembrando que isto foi dito em pleno século XIII, em meio ao islamismo.
[2] Na simbologia persa, estava associado ao Oceano Divino.
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