DEMOCRACIA. LIBERDADE. DIGNIDADE HUMANA- Diamantino Bártolo

     A democracia política, é o sistema de governo compatível com a dignidade e a liberdade do homem. As democracias: económica, social e cultural aperfeiçoam e completam a democracia política, e esta, implica, necessariamente: «a) O primado dos direitos pessoais, civis e políticos dos cidadãos; b) A prática da soberania, enquanto expressão da vontade da maioria, no respeito pelos direitos fundamentais das minorias; c) Um modelo de organização do Estado, que respeita o princípio da separação dos órgãos de soberania; d) A autonomia das autarquias regionais e locais; e) O estímulo à máxima participação efetiva dos cidadãos, na gestão dos interesses públicos». (Autor, obra, local, editora e data, desconhecidos)
    A cultura é o elemento constitutivo de todas as práticas sociais, porque enquanto proposta de valores, elaborada de imaginários sociais é, intrinsecamente, uma componente dominante e determinante de todos os aspetos da vida social, é o meio pelo qual, um povo se determina, e um processo de autolibertação progressiva do homem. 
    A democracia cultural, como expressão do pluralismo, não pode desligar-se das democracias política, económica e social, existe entre elas uma relação de interdependência profunda. A afirmação do Estado Democrático Constitucional, passa pelo estímulo da atividade criadora de todos os cidadãos, tendo em consideração que a cultura não pode ser privilégio de qualquer grupo social, ou monopólio do Estado. 
    Com efeito: «É essencial observar que é possível estabelecer um elenco das liberdades básicas. Entre elas contam-se, como particularmente importantes, a liberdade política (direito de votar e de ocupar uma função pública) e a liberdade de expressão e de reunião: a liberdade de consciência e de pensamento, as liberdades das pessoas que incluem a proibição de opressão psicológica e de agressão física (direito à integridade pessoal); o direito à propriedade privada e à protecção (...). O segundo princípio aplica-se, numa primeira abordagem à distribuição da riqueza e do rendimento, (...) devendo ser feita de modo a beneficiar todos.» (RAWLS, 1993:68).
    No Estado Democrático, o instrumento fundamental, regulador dos grandes valores, princípios e orientações sobre direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, é a Constituição da República, no caso português. 
    Todavia: «As constituições modernas devem a sua existência a um conceito encontrado na lei natural moderna, de acordo com o qual todos os cidadãos formam voluntariamente uma comunidade legal de associados livres e iguais. A constituição oferece, precisamente os direitos que estes indivíduos devem garantir uns aos outros se querem ordenar a sua vida juntos recorrendo, legitimamente, à lei. Este conceito pressupõe a noção de direitos (subjectivos) individuais e de pessoas individuais legais enquanto suportes dos direitos.» (Habermas, in: TAYLOR, (1998:125).
    Levanta-se aqui, segundo Taylor, uma questão que é a que se prende com a proteção das identidades coletivas, e o direito às liberdades individuais, ou seja: qual o reconhecimento que deve prevalecer ou superiorizar-se: o direito das maiorias, fundado no direito positivo; ou o direito das minorias, com suporte no direito subjetivo? E acrescenta o seguinte: «... O princípio dos direitos iguais tem que ser posto em prática através de dois tipos de política que vão ao encontro um do outro - uma política de consideração pelas diferentes culturas, por um lado, e uma política para universalizar os direitos individuais, por outro. Uma, é suposta compensar o preço que a outra exige com o seu universalismo igualitário.» (Ibid.:129)
    Prosseguindo na análise, o mesmo autor refere: «A classificação dos papéis sexuais e das diferenças dependentes do género toca fundamentalmente os níveis do auto-entendimento cultural de uma sociedade. O feminismo radical só agora está a tornar-nos conscientes da natureza falível deste auto-entendimento, que é fundamentalmente debatível e se encontra carente de uma revisão. O feminismo radical insiste correctamente que a relevância nas diferenças, nas experiências e nas circunstâncias da vida dos (grupos específicos de homens e das mulheres relativamente à oportunidade igual de exercerem liberdades individuais deve ser discutida na esfera política pública (...) esta luta pela igualdade das mulheres é uma ilustração particularmente boa da necessidade de uma mudança no entendimento paradigmático dos direitos. O significado das expressões “direito positivo” e “regulação legítima”, fica claro e com o conceito de forma jurídica a qual estabiliza expectativas sociais de comportamento de modo indicado, e o princípio do discurso, a cuja luz se pode examinar a legitimidade das normas de acção.» (Ibid.:135).
    Do ponto de vista da teoria legal, a questão inicial que o multiculturalismo levanta, é a problemática da neutralidade ética da lei e da política. Por ética pretende-se dizer todas as questões relacionadas com as conceções de vida boa, ou uma vida que não é esbanjada. Seguindo o mesmo autor: «As questões éticas não podem ser analisadas do ponto de vista moral se algo é igualmente bom para todos. (...) O julgamento imparcial de semelhantes questões é baseado em fortes avaliações e determinado pelo auto-entendimento e pelos projectos de vida de grupos específicos, isto é, pelo que é, do seu ponto de vista, bom para nós, consideradas todas as coisas.» (Ibid.:140).
    Se por um lado, Habermas transmite a ideia, segundo a qual: «O processo de actualização de direitos está de facto embutido em contextos que exigem semelhantes discursos como uma componente importante da política - discussões sobre uma concepção partilhada de bem e uma forma de vida desejada que se reconhece como autêntica. Em tais discussões os participantes clarificam o modo como eles se encaram como cidadãos de uma república específica, como herdeiros de uma cultura específica, quais as tradições que querem perpetuar, e quais querem suspender, como querem lidar com a sua história, uns com os outros, com a natureza...» (Ibid.:143).
    Por outro lado, oferece-se para reflexão a seguinte passagem: «O nosso bem não é universal nem único senão enquanto se adequa, em boa medida, às práticas culturais que partilhamos com outros dentro da mesma comunidade. Compartilhando o suficiente com os outros que estão à nossa volta e com o governo perfeccionista, chegamos a um razoável conjunto de crenças acerca do que é bom para os cidadãos. (...) A minha vida desenvolve-se adequadamente na medida em que a dirijo de acordo com as minhas crenças sobre o que é valioso. (...). Então teremos duas condições para a satisfação do nosso primordial interesse em levar por diante uma vida boa: a) Uma, é que dirijamos a nossa vida a partir das nossas próprias convicções; b) Outra, é que sejamos livres de questionar tais carências à luz de qualquer informação, exemplos e argumentos que nos oferece a nossa cultura. (KYMLICKA, 1991).

Bibliografia

KYMLICKA Will, (1991). Liberalism, Commubity and Culture, Oxford: Oxford University Press

RAWLS, John, (1993). Uma Teoria da Justiça. Tradução, Carlos Pinto Correia. Lisboa: Editorial Presença.

TAYLOR, Charles. (1998). Multiculturalismo. Tradução, Marta Machado. Lisboa: Instituto Piaget.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal

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