O jovem Bernardo, bem cedo começou na vida ativa do trabalho, ao tempo, com a idade dele, não se considerava trabalho infantil, muitas das atividades que rapazes e raparigas desempenhavam, não só na ajuda doméstica aos pais e irmãos, como também fora de casa, com salários da época e descontos oficiais para o Estado, ou seja, aos catorze anos já era possível trabalhar numa empresa privada, ou mesmo em alguns organismos do Estado.
A escolaridade obrigatória era a “velhinha” quarta classe, ensino básico e, com onze ou doze anos, a escola, para a maioria das crianças, ficava para trás, excepto nas classes altas, médias ou médias baixas, porque havia condições financeiras, para que os filhos prosseguissem estudos: primeiro, o ciclo preparatório de dois anos de estudos; depois, os mais pobres, normalmente, ingressavam numa escola industrial e comercial; os oriundos de famílias mais abastadas, entravam para os liceus.
Para além do trabalho remunerado, que desde bem cedo na vida Bernardo se viu obrigado a abraçar, o jovem também não descurou o que era próprio para a sua idade, então já com dezasseis anos de idade. Por isso, aos sábados, depois do trabalho, ficava com o resto da tarde livre, a noite e o domingo, regressando à sua atividade laboral na segunda-feira de manhã. Era nestes fins-de-semana, que Bernardo procurava divertir-se: ora frequentando bailes; então, uma ida ao cinema; também, tentando companhias femininas, para breves namoricos.
Era costume, aos sábados à noite, Bernardo pedir aos pais para o deixarem ir a um baile próximo de casa, que se realizava numa Associação Cultural e Recreativa. Os pais concordaram, avisando, no entanto, que deveria estar em casa antes das duas horas da manhã. O jovem nunca falhava nos horários que os pais lhe recomendavam, por isso sempre teve autorização dos seus progenitores para estas saídas. Bernardo fez-se sócio da Associação que frequentava, na localidade onde residia com os pais, pagando uma quota mensal, mas tinha entrada livre para todos os espetáculos.
Foi num desses bailes que conheceu Laura, uma jovem com mais sete anos de idade do que Bernardo, mas que gostava do jovem: primeiro, porque os dois acertavam muito bem na dança; depois, porque ela não tinha namorado. E foi então que Bernardo disse a Laura: «Danças melhor do que eu, podias ensinar-me para fazermos um par de bailarinos e quando houver concursos de dança vamos os dois». Laura não terá visto nenhum inconveniente e informou Bernardo que estava disposta a fazer par com ele e, logo ali, começaram os primeiros “treinos”.
Numa determinada dança, Laura, jovem experiente, disse a Bernardo: «Estou com muito calor, olha para a minha cara como deve estar vermelha. O coração quase me sai pela boca, estou toda a tremer. Não notas nada em mim? Isto nunca me aconteceu quando dançava com outros rapazes. Contigo é diferente, e porquê?» Bernardo também já tinha notado que Laura estava muito agitada. As pernas dela cada vez se apertavam mais contra as de dele. Os rostos ofegantes, estavam completamente “amarrados”. Os peitos de Laura, fortemente encostados ao peito do jovem, até que este disse à sua companheira de dança: «Penso que sei o que se está a passar connosco. Julgo que o amor ronda os nossos corações e a atração é tão forte que algo de mais íntimo poderá acontecer mesmo aqui!»
E, acabado de dizer estas palavras, Bernardo beija Laura, bem no centro da boca. Os lábios dela ferviam de calor, vermelhos como cerejas maduras, os olhos brilhavam, quais estrelas de Belém. Bernardo também já tinha dificuldades em segurar seus desejos sexuais, por isso pediu a Laura para saírem do baile, e irem apanhar um pouco de ar fresco. A jovem concordou de imediato, pois tinha reparado que outros casais estavam a ver os beijos que eles os dois trocavam.
Já fora da Associação, cerca da uma hora da manhã, Bernardo e Laura, combinaram ir embora. Ele levou-a pela mão até à casa dela e, junto do portão, surgiram as habituais perguntas, por parte de um jovem, que já se sente apaixonado pela companheira: «Laura, diz-me com toda a sinceridade, gostas mesmo de mim, achas que tens algum sentimento mais forte do que a simples amizade, ou seja, tens a certeza que me amas? Gostarias de namorar comigo e, um dia, se assim vier a ser possível, casar comigo?»
Laura sabia que era uma mulher sedutora, com mais idade, mais experiência e mais alta que Bernardo. Estava, seguramente, certa de ser uma mulher muito possante. Além disso já tinha namorado alguns jovens da mesma localidade, e também outros homens, aparentemente, mais velhos do que ela, porém, a todos abandonou, sem que se soubesse os motivos.
Confrontada com a proposta de Bernardo, ficou por alguns momentos calada para depois lhe dizer o seguinte: «Bernardo, sabes que eu ainda sou uma jovem, porém, com mais idade do que tu; que já tive alguns namorados, no entanto, nunca experimentei nada com nenhum deles, como o que aconteceu hoje connosco. Digo-te que se não tivéssemos saído naquele momento, eu iria desmaiar de prazer, algo de muito estranho e íntimo se estava a passar no meu corpo. Eu sou uma jovem ainda virgem, mas a partir daquele momento, parece que deixei de o ser. Isto, creio que só acontece, quando duas pessoas se amam muito, e acabam por se possuir mutuamente. Depois desta maravilhosa experiência, só tenho a agradecer-te e afirmar-te, olhos nos olhos, que te amo loucamente, quero namorar e, se possível, vir a casar contigo. Aceitas-me como tua namorada e, se quiseres, como tua esposa, com tudo o que é permitido fazer, tal como se de um casal se tratasse?»
Perante tão sincera e profunda confissão de amor, e não só, Bernardo também acabou por lhe confidenciar que enquanto dançavam, e naquele momento em que estavam no auge, bem encostados, ofegantes e, ao beijarem-se, ele também sentiu algo de diferente no seu ser de homem, tendo ficado bastante aflito, porque rapidamente se notaria o que tinha acontecido e, um pouco envergonhado, informou-a do seguinte:
«Meu amor, agora já posso tratar-te assim, eu reparei que quando estávamos a dançar, num dado momento, tu como que me querias “esmagar” tal era a força das tuas coxas contra as minhas, a firmeza do teu peito contra o meu, depois começaste a empalidecer e quase desmaiavas nos meus braços. Eu próprio também me extasiava contra o teu bem contornado corpo, e a melhor solução foi mesmo termos saído. Agora que tanto nos amamos, que já vivenciamos uma experiência tão íntima, mesmo que tenha acontecido a dançar, vamos organizar a nossa vida de namoro até haver condições para nos casarmos. Aceitas esta estratégia minha querida Laura?»
Regressados cada um a sua casa, Bernardo queria encontrar-se com Laura, no domingo seguinte à tarde, e foi procurá-la junto de casa. Encontrou-a de saída, dentro de um automóvel, com outra pessoa, um homem, aparentemente mais velho do que ela. Bernardo ficou estupefacto, não sabia o que estava a acontecer. Ficou por ali algum tempo, mas Laura não aparecia. Profundamente desiludido, Bernardo procurou colher mais informações sobre Laura, junto dos seus amigos e amigas, mas não recebeu as melhores indicações.
Entretanto, a caminho de casa, surge uma amiga conhecida já dos tempos da escola primária, a Teresa, que ao vê-o ali a olhar para carro que se afastava, perguntou-lhe: «Bernardo, por quem estás à espera? É pela Laura? Bem podes esperar sentado, meu amigo, porque essa é da “vida fácil”, e às vezes diverte-se com jovens mais novos, para “aquecer os motores”, porque depois vai para quem lhe dá boa recompensa! Tu não tens dinheiro para lhe pagares certos serviços. Esquece-a, porque eu sei que tens cá na terra quem goste de verdade de ti»
O jovem Bernardo nem queria acreditar no que acabava de ouvir, por isso pediu à sua amiga, para no próximo fim de semana, se encontrarem, no final da missa da manhã, para ela lhe explicar, quem era, afinal, e o que fazia Laura.
Teresa, jovem como Bernardo, conhecidos desde há vários anos, até simpatizavam um com o outro, por isso ela respondeu-lhe: «Sim, no domingo, depois da missa, ficamos no adro a conversar, eu digo-te tudo o que sei e o que toda a gente fala sobre Laura». Bernardo agradeceu-lhe, confirmou que se encontrariam para conversar sobre a mulher que ele pensava ser sua namorada, que se mostrou profundamente apaixonada, e lhe garantiu que mais tarde até casariam. Claro que Bernardo não queria ficar com dúvidas, e muito menos ser ridicularizado pelos seus colegas, rapazes e raparigas do seu tempo. Não isso não ficaria assim.
Teresa aguardava Bernardo junto ao coreto, próximo da igreja, conforme combinado anteriormente. Amigos de longa data, cumprimentaram-se com um beijo na face e o jovem iniciou a conversa, pedindo a Teresa o seguinte: «Amiga de sempre, conta-me então o que sabes sobre a Laura, para eu ficar por dentro de tudo, porque o meu namoro com ela, certamente, vai terminar já hoje, por minha iniciativa, depois do que vi, e do que vou ouvir da tua boca»
«Olha Bernardo, tens de estar preparado para ouvir situações muito feias e desagradáveis, mas que correspondem à verdade, porque eu tenho acompanhado de perto, a vida da Laura. Pois bem, o “trabalho” dela é o da profissão mais antiga do mundo. Ela dedica-se à prostituição de alto luxo, uma espécie de “acompanhante”, de homens bem maduros e ricos. Nesta vida ela já leva mais de cinco anos, começou nova, os pais sabem, mas não se opõem, porque é ela que sustenta a família, com o dinheiro que vai angariando aos “velhotes”. Passa noites fora, acompanha-os em viagens por vários dias, enfim, uma vida depravada e luxuosa. Lamento muito o que te aconteceu, mas estou aqui para te ajudar no que for preciso.»
Bernardo ficou por alguns minutos sem fala, empalideceu e por fim disse à sua amiga Teresa: «Querida e sempre amiga Teresa, estou estarrecido com o que acabas de me informar. Nunca me passou pela cabeça tal situação, pois a Laura, ainda há poucos dias, num baile, teve atitudes que me deixaram muito feliz, pois disse que me amava muito, e até estaria disposta a casar comigo. Durante o baile ela, inclusive, se sentiu em êxtase, talvez por eu ser novo e poder dar-lhe, o que afinal ela não tinha dos tais acompanhantes, mas que pelos vistos, gostava»
Passado este primeiro momento de estupefação, Bernardo disse a Teresa o seguinte: «Minha amiga, nem sei como te agradecer tão importante informação. Nesta circunstância de tão grande dor, que me parte o coração, bem gostaria de não pensar naquela “desavergonhada”».
Bernardo e Teresa, não voltaram a encontrar-se, por isso o assunto sobre Laura terá morrido na conversa que tiveram dias antes. Bernardo ainda se cruzou algumas vezes com Laura, porque viviam na mesma localidade e, com a desfaçatez que, afinal já lhe era peculiar, Laura disse a Bernardo: «Naquele dia que me viste dentro de um carro com um homem, nada tem a ver com quaisquer atitudes de deslealdade para contigo. Aquela pessoa, é meu irmão. Ele ia levar-me a uma consulta, nada mais do que isso, mas se não acreditas, é porque não me amas e o melhor é acabarmos aqui com a nossa relação de namorados» e, dito isto, Laura virou-lhe as constas e dirigiu-se para um outro local, que Bernardo não conhecia.
Sem mais quaisquer dúvidas, Bernardo não teve dificuldade em concluir que, enfim, aquela mulher apenas pretendia aproveitar-se dos mais jovens, para “desfrutar” a vida a seu belo prazer, porque naquele coração não havia amor, nem sentimentos dignos do afecto, que até então, Bernardo lhe tinha demonstrado.
O jovem Bernardo, ainda com o coração destroçado, logo pensou em esquecer, o mais rapidamente possível, a esta recente “namorada” que, afinal, não passaria de uma prostituta de luxo, e apenas queria passar o tempo da melhor forma, com um jovem bem mais novo do que ela, porque para as relações mais íntimas, tinha outros companheiros que lhe proporcionavam outros “confortos” materiais e não só. Bernardo, também não queria uma mulher que tivesse relações íntimas com outros homens, portanto, mais valia sofrer agora, do que vir a ser traído por Laura, já depois de casado, porque bem vista a situação, já tinha sido falseado, na qualidade de namorado.
Apesar do mal que Laura lhe causou, e foi muito, ele nunca lhe desejou qualquer nada que a pudesse prejudicar, continuando a desejar que ela fosse feliz. Ela haveria de chegar a uma conclusão, quando fosse mais velha, e já não tivesse os dotes físicos de então, ficando incapacidade de satisfazer os acompanhantes que lhe pagavam bem, o que a levaria ao arrependimento de tudo o que tinha feito com ele, Bernardo.
Diamantino Lourenço Rodrigues de
Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de
Portugal
http://nalap.org/Directoria.aspx
Comentários